E agora?
Política

E agora?




Parece consensual que o que se passou no último sábado foi algo absolutamente extraordinário. Neste 15 de Setembro ocorreram as maiores manifestações de que há memória em diversas cidades do país: de Lisboa a Aveiro, do Porto a Faro, passando por Leiria, Coimbra, Funchal e até Ponta Delgada. Uma tremenda massa humana, totalmente heterogénea, saiu à rua numa impressionante manifestação de indignação. Num extraordinário momento de democracia participativa, os Portugueses sentiram necessidade de vir demonstrar que estão em absoluto desacordo com o rumo que tem vindo a ser seguido.

E parece também consensual que este 15 de Setembro representou um momento de viragem na perceção que se tinha sobre a forma como os portugueses estavam a aceitar a austeridade. Se até há pouco eram muitos os que ainda acreditavam na narrativa de que devemos hoje fazer sacríficos para garantir um amanhã melhor, a realidade tem-se encarregado de demonstrar que tal crença é hoje perfeitamente ilusória. É hoje evidente para a maioria dos cidadãos que os sacrifícios não só não estão a levar a lado algum, como estão a agravar ainda mais o problema. 

Mas este sábado representou também uma importante mudança no jogo político. Há uns meses atrás, apenas a esquerda radical protestava contra a receita imposta. Atualmente a discordância alargou-se aos mais diversos setores. Dos monárquicos à esquerda moderada, passando pela direita moderada e pelo centro flutuante, um vasto consenso começa a construir-se contra a lógica do “custe o que custar”. Até as associações empresariais criticam o rumo seguido. Entre os opinion makers da praça, começam a rarear os que conseguem encontrar alguma lógica na orientação governativa. E são também cada vez mais as figuras da direita política que têm vindo a público opor-se: de Marcelo Rebelo de Sousa a Bagão Félix, de Pacheco Pereira a Manuela Ferreira Leite, sendo que esta última é normalmente assumida como a porta-voz do cavaquismo. Ou seja, o próprio Cavaco começa a dar sinais de grande desconforto. Por seu turno, no seio do CDS, os sinais de incómodo são também indisfarçáveis.

Posto isto, o que podemos esperar dos próximos tempos? Tudo indica que a popularidade do Governo entrou oficialmente na fase descendente, atingindo-se quase de certeza um ponto de não retorno. Irão agora suceder-se episódios que engrossarão o desgaste do Executivo. Aliás, foi a partir deste fim-de-semana que começaram a ouvir-se os primeiros apelos claros à queda do governo. Deixou portanto de ser uma heresia dizê-lo. Como é evidente, tal não quer dizer que o governo caia nos próximos meses. Mas alguém consegue apostar com segurança que dentro de um ano estaremos com o mesmo Governo? Eis um exemplo claro do ponto de viragem que foi atingido.

Quando se coloca esta hipótese, ainda que não muito próxima, de queda do Governo, a pergunta que surge imediatamente é: mudar para onde, para quê? Uma coisa parece certa: é muito pouco lúcido querer-se uma mera alternância de cor política no Executivo. Exigem-se pois novas soluções. Soluções que consigam romper com o atual panorama de beco sem saída e que representem uma viragem clara no rumo que tem sido seguido. Cada qual terá a sua solução. Pessoalmente acho que um governo que englobasse várias forças à esquerda era a melhor solução que o país poderia beneficiar no momento presente. Esta solução, que nunca ocorreu na nossa democracia, seria a que melhor garantiria uma verdadeira inversão das políticas atualmente seguidas. Mas sobre isto poderei falar num próximo artigo.

Artigo ontem publicado no Açoriano Oriental



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