O PIB da Grécia é 2,3% da Zona do Euro e representa uma economia equivalente à da Colômbia. Ela não tem tamanho para fazer o mundo prender a respiração por um ano. O problema não é a Grécia em si, mas as quedas em dominó que ocorrerão se ela apertar o botão de ejetar. Depois de dias de discussão, ontem à noite o acordo entre os líderes para corte de gastos estava sendo fechado.
Na crise da Grécia, o que se tem é medo do desconhecido. Nunca antes um país saiu de uma união monetária. O acordo negociado entre os líderes políticos gregos para um corte de 3 bilhões já está muito atrasado. Pelo cronograma da dolorosa, tensa e detalhada negociação entre os credores e o governo grego esses cortes deveriam estar aprovados desde a noite de terça-feira. Ontem, os manifestantes continuavam nas ruas, e os políticos ainda negociavam a aprovação dos três partidos da coalizão para o ajuste fiscal exigido pela Troica (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia).
Um dos impasses surgidos de tarde foi a reação de políticos ao fato de que o documento de 50 páginas de medidas de austeridade estava escrito em inglês. Um detalhe apenas, mas revelador do grau de intervenção que vive hoje a sociedade grega.
O acordo com a Troica permitirá a troca de títulos da dívida grega junto aos bancos por novos papéis com desconto. O calote é enorme. Os bancos perderão a maior parte do que emprestaram ao governo grego. Mais de 100 bilhões vão virar fumaça. A corrida é para que o acordo entre os políticos gregos pelo plano de austeridade seja aprovado por todos os membros do gabinete antes da reunião de ministros em Bruxelas.
Crises fiscais e cambiais já aconteceram muitas vezes, mas uma crise fiscal generalizada dentro de uma união monetária é problema de outra natureza. E escala. Quem sair da união monetária e retornar para a sua moeda nacional estará devendo na moeda forte e com seus ativos em outra, mais fraca. Só isso já precipitará uma crise cambial de grandes proporções. A corrida das últimas horas é para evitar o calote descontrolado, o que levaria à saída abrupta da Grécia da Zona do Euro.
A Grécia, hoje submetida a ordens externas para cortar salário mínimo, demitir funcionário público, aumentar impostos, reduzir gastos sociais, suspender o décimo terceiro e o décimo quarto salários, é o mesmo país que teve um salto de nível de vida da população após a entrada na União Europeia.
Os bancos emprestaram sem controle para o governo grego. O governo conservador de então fez pior do que se endividar além da conta: maquiou os números do déficit e da dívida.
A verdadeira conta acabou sendo feita pelo governo de George Papandreau, socialista. Ele não conseguiu pilotar a grave crise e caiu quando propôs que o ajuste exigido para que a Europa emprestasse mais recursos para a Grécia fosse submetido a um plebiscito. O novo governo tecnocrata de Lucas Papademus tenta fazer o ajuste que seu antecessor não fez.
Um calote desordenado cobraria uma conta alta da Grécia e seria pesado para todos: para os bancos credores, que hoje têm a expectativa de receber pelo menos uma parte do que emprestaram e dentro de um processo negociado; o Banco Central Europeu, que também tem títulos do governo grego em carteira e não sabe ainda o que fazer com esse mico; a Europa em si, que passaria por uma discussão sobre o próximo da lista. O contágio é um dos maiores medos das autoridades europeias, e todos sabem que o candidato a ser o segundo da fila chama-se Portugal. Por isso, o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, num dos momentos de dúvida do longo dia de ontem, disse que é mais caro deixar a Grécia sair do que pagar o preço para ela permanecer na União Europeia.
O problema é saber se o corte no valor do principal da dívida - o chamado haircut - que será de 50%, no mínimo, é o suficiente para permitir que a Grécia reorganize as suas finanças. Outra dúvida é se o programa de austeridade não terá um efeito bumerangue: será tão forte que vai deprimir a economia e impedir que o país se reorganize.
O caso da Grécia - e das confusões dos últimos anos da Zona do Euro - mostram mais uma vez que moeda é melhor cada um ter a sua. E, de preferência, tratar de protegê-la com boas políticas fiscais, monetárias e cambiais. A união da Europa é uma experiência política fascinante, mas ter uma moeda comum com critérios fiscais diferenciados não dá certo, como se vê agora, da forma dolorosa.
A Europa achou que estava atendendo a esse pré-requisito quando assinou o acordo de Maastricht, estabelecendo 65% de teto para a dívida pública e 3% de limite para o déficit. O acordo se desmoralizou, e hoje o que se negocia é um novo tratado nas mesmas bases, mas com punições para os faltosos. Essa punição implica em perda de soberania. Mas não se faz uma união monetária mantendo a integridade da soberania. O que os eleitores terão de dizer, nas futuras eleições, é o tamanho da perda que eles estão dispostos a tolerar.