Corruptos falam a mesma língua - CLÓVIS ROSSI
Política

Corruptos falam a mesma língua - CLÓVIS ROSSI



Folha de São Paulo - 28/10


Berlusconi, Wen Jiabao e os mensaleiros reagem todos da mesma forma quando acusados ou condenados



FORMIDÁVEL A coincidência de reações de corruptos mundo afora quando apanhados com a mão na massa. Repassemos as corrupções da semana para compará-las com o mensalão brasileiro.

Na Itália, Silvio Berlusconi, três vezes primeiro-ministro, foi condenado a quatro anos de prisão por evasão fiscal. Usou companhias "off-shore" para evitar impostos sobre os direitos que sua empresa Mediaset adquirira de filmes americanos.

É o famoso caixa dois, tão presente no julgamento do mensalão. Na Itália, por muito que o país tenha fama de corrupto, ninguém se orgulha nem confessa caixa dois.

No Brasil, ao contrário, até o presidente da República da época, Luiz Inácio Lula da Silva, deu o caixa dois como desculpa para o que chamou de "erros" de seu partido.

Segundo Lula, o PT fizera "apenas" o que todo o mundo faz, ou seja, caixa dois.

Por mais que seu ministro da Justiça à época, Márcio Thomaz Bastos, tivesse dito que esse esquema é "coisa de bandido", advogados dos réus voltaram à tese do caixa dois em pleno Supremo Tribunal Federal, para espanto e indignação da ministra Cármen Lúcia.

Menos mal que, cá como lá, puniu-se a evasão fiscal que acompanha inexoravelmente o caixa dois.

Passemos à reação dos condenados: aqui, a condenação não passou, para os réus, de uma conspiração da direita mancomunada com os juízes do Supremo contra líderes que ainda se acham de esquerda.

Na Itália, Berlusconi, que responde judicialmente em mil e um casos, passou a vida dizendo que tudo não passava de perseguição de juízes esquerdistas, açulados pelos comunistas, onipresentes na retórica da direita, especialmente quando se trata de defender o indefensável.

Mudemos de continente e de regime, para a Ásia, mais exatamente a China, uma ditadura, ao contrário de Brasil e Itália. O "New York Times" acusa o premiê comunista Wen Jiabao de ter feito a mágica da multiplicação do dinheiro a favor de sua família, como se fosse um empedernido capitalista.

No Brasil, é arquiconhecido o fato de que famílias de políticos, especialmente caciques regionais, enriquecem muito rapidamente sempre que o patriarca chega ao poder, que, de resto, transmite de geração em geração.

Nem na ditatorial China nem no democrático Brasil houve, até agora, condenações mesmo quando há sérias suspeitas de que o enriquecimento não é produto exatamente das habilidades insuperáveis dos políticos e seus familiares.

Mas a reação, cá como lá, não é muito diferente. Na China, o governo simplesmente tirou do ar o "New York Times" e baniu, de suas redes sociais, palavras que pudessem conduzir o público a se informar sobre as denúncias.

No Brasil, é conhecida a ideia fixa de muita gente graúda do partido mais atingido pelas condenações do mensalão de defender o "controle da mídia".

Sorte que, na democracia, não podem fazer o que os chineses fazem, mas a fúria censória é idêntica.

Como se vê, corruptos são todos iguais, em todas as latitudes.



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