Política
Cruzar fronteiras Miriam Leitão
Foram sete minutos de puro conteúdo o apoio de Colin Powell a Barack Obama. Ele contra-atacou todos os ataques ao democrata: de ser inexperiente, de não estar preparado para ser comandante-emchefe e até as insinuações de ser muçulmano.
Obama está fazendo uma campanha inédita, que cruza as fronteiras da divisão tradicional da política americana, disputando em estados republicanos.
Colin Powell criticou a guinada à direita e apontou o preconceito implícito nos anúncios republicanos. Primeiro, por explorar a suposta relação de Obama com um terrorista dos anos 70; segundo, pelas insinuações de que o democrata é muçulmano.
— Ele não é. É cristão.
Mas e se fosse muçulmano? Há alguma coisa errada em ser muçulmano neste país? Powell contou de uma foto que viu, de uma mãe com a cabeça deitada sobre a lápide do filho: americano, nascido em New Jersey, que tinha 14 anos na época do 11 de Setembro e que morreu lutando pelos Estados Unidos no Iraque.
— Em sua lápide não havia uma cruz cristã, nem a estrela de David, mas a lua crescente e a estrela da fé islâmica. Ele morreu servindo a este país.
Mais que um apoio, a declaração do general tocou em feridas abertas nesta reta final de campanha. Ele disse que Obama é uma “figura transformadora”, que cruza linhas da divisão generacional e étnica no país. Obama está tentando cruzar as linhas político-partidárias que dividem os EUA há muitas décadas, instalando escritórios de campanha mesmo nos estados mais refratários aos democratas.
Ele tem ido a lugares que estão fora até do mapa da imprensa, como admitiu uma reportagem do “New York Times” neste fim de semana, em que o repórter teve que ouvi-lo soletrar o nome de uma cidade, “Elko”, em Montana, na qual tinha ido. Obama tem mais de 50 escritórios na Virgínia, estado no qual “nenhum democrata disputou seriamente desde que Obama era adolescente”, diz o “NYT”. E onde ele pode vencer. Quando assinou a Lei dos Direitos Civis, Lyndon Johnson previu que os democratas não venceriam mais no Sul do país por uma geração.
Barack Obama tem feito campanha em estados dos quais podia até prescindir, como Nevada, que tem cinco votos no Colégio Eleitoral; em Montana, onde ainda está perdendo; em Dakota do Norte, com três votos. O que ele quer com tanto esforço? Mudar o que é feito sempre, em que os candidatos investem nos estados mais fáceis e apostam em alguns estados que costumam mudar o voto.
Não quer ser presidente de metade mais um do país; quer atravessar linhas de separação naquele país de tantas e tão velhas divisões.
Um comentarista da CNN, Bill Schneider, disse que “Obama não é uma candidatura, é um movimento, como foi o movimento conservador de Ronald Reagan. E em movimentos, você entra neles ou pertence a eles.” Faltam duas semanas para as eleições americanas e ainda há vários problemas no “movimento”. Um é a resistência da classe média branca, dos operários brancos de áreas onde houve aumento do desemprego em estados republicanos. É bom lembrar que o país protestante tinha medo de votar num presidente católico, pelo risco da influência do Papa. Essa barreira, John Kennedy venceu.
O risco que pesa sobre Obama é do racismo, e isto é mais resistente. Pela teoria política, ser negro tiraria pelo menos seis pontos percentuais do candidato, entre a pesquisa e as urnas. Será? Hoje, o eleitor branco americano já se acostumou com políticos negros nos governos dos estados e em grandes prefeituras. Obama é parte de um evento sociológico mais amplo de ascensão dos negros, que foi galvanizado após a Lei dos Direitos Civis, em parte pelas ações afirmativas.
A segunda questão é que os percentuais do voto popular (olhe o gráfico, mostrando como está estável essa reta final) são diferentes dos votos no Colégio. O site “Election Projection” está prevendo 364 votos para Obama, contra 171 para McCain. A fórmula dá, a quem tem a maioria em cada estado, todos os votos eleitorais daquele estado.
O pior da crise econômica está acontecendo às vésperas das eleições, como eu disse aqui que ocorreria. Esta semana, mais de 30 estados começam a votação antecipada, que estará concluída dentro de 15 dias. Mas além da crise, Obama tem sido ajudado pelo seu próprio talento, por ter cometido menos erros na campanha, por sua estratégia transformadora, como disse Powell. Se ele for eleito, será uma vitória inédita, por ser negro, mas também por ter feito uma campanha inédita para construir uma nova coalizão.
oglobo.com.br/miriamleitao
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