O Partido Comunista de Cuba está reunido para desfazer boa parte do
que fez no meio século de poder. Vai liberalizar a economia e buscar
na energia do empreendedor os meios para superar a estagnação.
É um momento decisivo para o grupo dirigente.
O propósito é caminhar para o modelo chinês. Economia pujante, mas com
o monopólio do mando político.
Não é fórmula fácil de alcançar. Mesmo quando alcançada, não garante
estabilidade confortável.
Crescimento econômico não é sinônimo mecânico de paz política. Que o
digam os árabes.
Há um detalhe na China que costuma passar despercebido. O partido é
único, mas há nele mecanismos compulsórios de renovação da cúpula e
regras razoavelmente claras para ascensão.
Os caminhos da política não estão obstruídos por uma -para usar o
termo elaborado nos anos da União Soviética- gerontocracia.
Há também, e isso é tão importante quanto, regras para garantir certo
grau de separação formal entre quem toca a política e quem toca os
negócios.
Quando se discute a democracia como valor universal, a ênfase costuma
ser na liberdade. É a associação mais imediata.
Talvez se devesse refletir sobre outra associação, entre estabilidade
democrática e alternância no poder.
Da Tunísia à Costa do Marfim, do Egito à Líbia, da Síria a Cuba, o
edifício a chacoalhar não é o autoritarismo tomado de modo abstrato. O
que balança é o monopólio do poder.
A ideia de que a felicidade de um país depende de as "pessoas certas"
assumirem o comando, e ficarem nele sem data para sair.
A conveniente teoria de que o sucesso nacional depende de impedir que
adversários assumam o leme.
É empírico. A falta de mecanismos razoávelmente viáveis para
alternância leva, sem exceção, à decadência nacional. Pode levar à
destruição nacional. Aconteceu na União Soviética.
E a situação se agrava quando o país apresenta divisões sectárias bem
marcadas, mais ainda quando são geograficamente definidas. Quando
existem dentro da mesma nação um ou mais problemas de nacionalidades.
A tendência à fragmentação fica muito forte.
Pois não dá para as diversas panelinhas assistirem de braços cruzados,
por todo o tempo, à festa de uma panelinha só. Cada grupo político tem
correligionários a empregar e empresários amigos a beneficiar.
E como a separação absoluta entre a política e os negócios só existe
no mundo da lua, a permanência excessiva de uma turma no poder acaba
produzindo insatisfações crescentes.
Que se agravam muito quando o sistema degenera para cleptocracias
hereditárias. Nas quais, como nos tempos da monarquia, não há salvação
fora do DNA.
Sendo intelectualmente rigoroso, os levantes árabes devem ser
catalogados na conta das revoluções burguesas. Para depor
neomonarquias comandadas por quem um dia chegou ao poder para acabar
com a monarquia. E que no poder reproduziu a moldura.
É também, em boa medida, o problema cubano. Como quebrar o poder
absoluto de um núcleo dirigente que carimba toda opção política
externa ao grupo -mesmo quando dentro do partido- como "ameaça à
revolução".
A alternância, nas suas diversas formas, é um ativo das sociedades
para controlar o Estado.
É natural que partidos, correntes e movimentos busquem maneiras de se
perpetuar no poder. Mas para haver democracia e prosperidade perenes é
indispensável que a sociedade tenha instrumentos legais e operacionais
para resistir.
Tiro no pé
Cabeças mais antenadas da esplanada dos ministérios já perceberam.
Já entenderam que a ideia de fazer uma consulta popular sobre a
proibição de armas, que provavelmente viria acoplada a outra sobre o
voto indireto para deputado e vereador (lista fechada), criaria a
oportunidade para aglutinar uma oposição social hoje pulverizada.
Um autêntico tiro no pé.
O PT tem maioria no Congresso Nacional por causa da repartição de
poder orçamentário. Não tem hegemonia suficiente para arrastar a base
atrás das ideias petistas.
A votação do código florestal demonstrará -se o PT não ceder antes.
Só do que o PT não precisa agora, creem, são plebiscitos e referendos
para comprovar. E para fazer a conexão entre os potenciais
antipetismos congressual e social.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada neste domingo (17) no Correio Braziliense.