Isabela Boscov
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O FIM DA SOLIDÃO |
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Oskar tem 12 anos, é terrivelmente infeliz e solitário e, sem que ninguém se dê conta, vive o terror diário de ser atormentado por colegas de escola. Eli também é terrivelmente infeliz e solitária e vive o seu próprio tipo de tormento: como diz a Oskar, ao conhecê-lo em um parquinho coberto de neve, numa noite qualquer na Estocolmo dos anos 80, ela tem "mais ou menos" 12 anos. O que quer dizer que tem 12 anos há muito tempo; é uma vampira, algo que o menino demorará um tempo ainda a descobrir. Nesse intervalo, Oskar e Eli se aproximarão com uma intensidade propiciada não apenas por seu respectivo isolamento, mas por algo tão intangível quanto definitivo: uma afinidade real, mais profunda do que o habitual em sua idade e mais larga do que suas circunstâncias peculiares. Talvez se trate, enfim, de amor – seja de que tipo for. A descrição silenciosa e minuciosa do aflorar desse sentimento é uma das grandes belezas de Deixa Ela Entrar (L¹t den Rätte Komma In, Suécia, 2008), que estreia na próxima sexta-feira no país. Dizer que se trata de um filme de horror não é errado, mas não é tudo. A singularidade do trabalho do diretor sueco Tomas Alfredson, em adaptação do romance do escritor e roteirista John Ajvide Lindqvist, é a maneira como ele se vale dos recursos do gênero para, entre muitas outras coisas, traçar um paralelo entre a compreensão que Oskar pouco a pouco adquire do que Eli é e a aceitação irrestrita de uma condição do amor – aquela em que se quer o outro não apesar de suas monstruosidades, mas com elas.
Assim, aqui há sangue e pavor, mas não com o mero intuito de pregar sustos. Eli, por exemplo, se recusa a alimentar-se sozinha. É assistida por um homem que talvez seja seu pai. Ele aborda transeuntes em locais ermos e os pendura de cabeça para baixo para, com uma navalhada na jugular, recolher seu sangue. O homem, porém, é idoso e está física e espiritualmente exausto. Quando ele falha, Eli tem de sair à caça. Os movimentos estranhos e horríveis com que ela pula sobre um bêbado, e os ruídos animalescos que produz, contrastam de maneira violenta com o que se viu dela até ali – um semblante triste, mas vivo, com olhos líquidos de curiosidade, e uma fragilidade física acentuada pelos cabelos sujos e pelas roupas insuficientes para o frio, que ela não sente. Não só para o espectador o contraste é ruim; depois de sorver o sangue de sua primeira vítima, Eli esconde o rosto nas mãos e chora. Tanta ferocidade, e também tanta vergonha e remorso: admitir o que se verdadeiramente é pode ser um fardo. Como bem o sabe Oskar, incapaz de reagir à tortura dos colegas e que carrega seu medo como um segredo indecente.
O título Deixa Ela Entrar é uma referência a um ponto importante na mitologia acerca dos vampiros, segundo o qual eles não podem entrar em uma casa sem ser convidados. Trata, assim, de um momento decisivo do filme, aquele em que pela primeira vez Oskar diz a Eli que entre sabendo o que faz. Por alguma confluência insondável, esse convite tem se repetido com frequência no último ano ou dois, em que, dos vampiros românticos de Crepúsculo aos vampiros divididos entre a ruptura e a assimilação da série True Blood, esses seres metafóricos tanto da bestialidade humana quanto de suas aspirações mais transcendentes se tornaram onipresentes na cultura pop. No filme de Tomas Alfredson, porém, Eli e Oskar, maravilhosamente interpretados por Lina Leandersson e K¹re Hedebrant, dão a eles outros significados. São uma alegoria da solidão infinita com que se sai da infância, uma fantasia de poder e, no desfecho que se segue a uma cena de horror e mutilação, uma imagem poética do encontro entre um homem e uma mulher – ainda que eles não passem de um menino e uma menina.
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