Demagogia e voluntarismo Rubens Barbosa
Política

Demagogia e voluntarismo Rubens Barbosa


O Globo - 10/07/2012
 

Adesastrada presidência argentina do Mercosul nos últimos seis meses, concluída na reunião de Mendoza, serviu para enterrar o grupo regional, tal como como concebido inicialmente. O número de países membros foi acrescido, e consagrado o desrespeito aos objetivos de abertura dos mercados.
O Mercosul como instrumento de integração vinha sendo gradualmente enfraquecido pelos seguidos descumprimentos de suas regras e pela tendência de cada pais a desenvolver suas próprias restrições comerciais e a tomar outras medidas como a nacionalização da Repsol, que só fizeram aumentar a insegurança jurídica no bloco.
A suspensão do Paraguai e o ingresso da Venezuela abrem uma nova etapa do Mercosul, que o Brasil terá de administrar durante a presidência semestral que lhe toca ocupar.
Embora o Brasil corretamente não tenha se associado ao embargo econômico, proposto pela Argentina e executado pela Venezuela com a suspensão do fornecimento de petróleo ao Paraguai, no tocante ao ingresso pleno de Caracas ao Mercosul a posição brasileira aparentemente foi a de seguir a ação de Buenos Aires, ou, segundo o governo uruguaio, a de pressionar para efetivá-lo.
Mais uma vez prevaleceram a velha demagogia e o voluntarismo latino-americanos. Apesar de o governo brasileiro ter-se municiado de um parecer jurídico encomendado à Advocacia Geral da União (ao invés de ao consultor jurídico do Itamaraty), a decisão dos três sócios do Mercosul, conforme anunciado, deverá ser contestada pelo Paraguai, porque o pais não foi expulso, mas apenas suspenso por prazo determinado. O artigo 12 do Protocolo de Adesão - documento que estabelece as condições de entrada da Venezuela - prevê que ele só entrará em vigor depois de 30 dias do depósito do quinto instrumento de sua ratificação. Por outro lado, o artigo 37 do Protocolo de Ouro Preto - que criou a união aduaneira - diz que as decisões dos órgãos do Mercosul serão tomadas por consenso e com a presença de todos os Estados partes.
Com esse ato arbitrário e ilegal, os três países decidiram colocar um fim ao Mercosul econômico-comercial concebido nos idos de 1991, e instaurar um Mercosul que obedece a prioridades políticas, não mais técnicas. Um exemplo disso são as elevações das tarifas externas comuns de 100 produtos adicionais, que poderão mesmo ser aplicadas contra o Brasil. Por outro lado, apesar de os congressos de Argentina, Brasil e Uruguai terem aprovado o Protocolo de Adesão da Venezuela por razões políticas, ignorando as deficiências técnicas, foi necessária a suspensão do país, cuja voz era destoante, para que fosse decidida a entrada de Hugo Chávez.
Os compromissos assumidos pela Venezuela no Protocolo de Adesão, como a tarifa externa comum, o acervo normativo do Mercosul e os acordos negociados com terceiros países deverão ser incorporados à nova política comercial da Venezuela.
Do ponto de vista estratégico e econômico, será importante a incorporação da Venezuela ao subgrupo regional. O Mercosul se estenderá da Patagônia ao Caribe, e seu mercado aumentará. O que se discute agora é o preço que os países membros deverão pagar a curto prazo. Não custa lembrar que Hugo Chávez, que agora celebrou a entrada da Venezuela "como uma derrota do imperialismo e das burguesias lacaias", já havia declarado publicamente que pretendia "mudar totalmente o Mercosul", a seu ver, "muito neoliberal".
O governo de Dilma Rousseff, no tocante a política externa, foi saudado por seu pragmatismo e ausência das influências ideológicas que tanto caracterizaram o governo Lula, sobretudo no segundo mandato. As decisões sobre o Paraguai e a Venezuela não deixam de ser um retrocesso na linha inicial de conduta do governo brasileiro. A percepção prevalecente é a de que o pais, na melhor das hipóteses, ficou a reboque da Argentina. O Brasil, cuja política externa tanto brilhou na Rio+20, interpretou equivocadamente esses acontecimentos regionais, e se submeteu ao eixo Buenos Aires-Caracas.
A política externa, mais uma vez, nos últimos dez anos, desviou-se de sua tradição de defesa dos interesses do Estado e se rendeu a interesses partidários.



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