Não basta denunciar os "juros escorchantes" que prevalecem no Brasil. É preciso apontar para uma saída.
Em artigo publicado na edição de quarta-feira (dia 11/5) no Estadão, o economista Edmar Bacha, um dos criadores do Plano Real, apresentou sugestões "para trazer os juros brasileiros para níveis civilizados".
Ele parte do princípio de que os juros estão onde estão em consequência do passado hiperinflacionário e caloteiro da economia brasileira e da excessiva indexação de preços, salários e valores (exagero na aplicação de correção monetária).
Além de um ajuste das contas públicas para valer, que derrube a dívida pública do País para o patamar dos 20% do PIB, Bacha sugere que um bom pedaço do passivo do Tesouro seja emitido com garantia das reservas internacionais.
Ele pede providências complementares: meta de inflação de 3% ao ano, a ser alcançada até 2020; liberação de aplicações financeiras de residentes no Brasil no exterior; e o desmonte dos créditos direcionados (BNDES, crédito hipotecário e rural).
São propostas que precisam ser levadas a sério. Bacha acredita que somente a redução à metade da dívida pública, hoje de 40% do PIB (veja o gráfico), seria capaz de derrubar os juros básicos (Selic) também à metade. Mesmo se ficasse faltando alguma coisa para tudo isso, já seria uma vitória.
O uso de reservas internacionais para lastrear a dívida pública aumentaria a credibilidade e, por si só, deveria ser tentado. Mas, atenção: uma decisão desse tipo exigiria caução (bloqueio) das reservas. Ou seja, elas já não poderiam ficar disponíveis, como estão hoje, e, nessas condições, já não funcionariam como reservas à vista.
Mas há um obstáculo ainda maior. Ao câmbio de hoje, a dívida do setor público corresponde a mais de US$ 1 trilhão e as reservas externas são de pouco mais de um terço desse valor. Levando-se em conta que convém mantê-las totalmente líquidas em pelo menos US$ 200 bilhões (volume que foi suficiente para transformar os vagalhões da grande crise em apenas uma marolinha), já se vê que o Brasil não dispõe de volumes suficientes para apresentar as garantias sugeridas.
É também duvidoso que a liberação de aplicações financeiras no exterior conseguisse, por si só, derrubar os juros. Mas, é claro, essa sugestão não pretende aumentar o fluxo de dólares do Brasil para o exterior. Enquanto os juros aqui dentro permanecerem na lua, onde estão agora, a tendência é que os capitais invistam no País e não a de que os capitais brasileiros procurem o mercado externo. A ideia é apenas manter aberta a porta de saída para reforçar a confiança.
No entanto, Bacha tem razão ao afirmar que o crédito direcionado tira mordedura da política de juros. Nada menos que 30% do volume de crédito no Brasil é obrigatoriamente dirigido ou aos clientes do BNDES, ou ao setor imobiliário, ou ao agronegócio. Não há como deixarem de ser feitos pelos bancos, quaisquer que sejam os juros do Banco Central.
Ora, um dos objetivos mais importantes da política de juros é agir sobre os canais de crédito. Se os financiamentos são feitos de qualquer maneira, chova ou faça sol, porque a lei ou a regulamentação assim determina, a política monetária do Banco Central perde eficácia e tem de ser reforçada com juros redobrados.
A limitação dessa sugestão é a de que ainda não existe no Brasil nem um mercado de capitais desenvolvido que capaz de substituir a ação do BNDES nem um forte mercado de títulos hipotecários que seja capaz de dispensar os financiamentos dirigidos da rede bancária.
Mas isso apenas está dizendo o quanto da velha ordem financeira ainda tem de ser demolida por aqui. Se o Brasil quer ter juros baixos, terá de pensar em saídas como essas sugeridas por Bacha. Não serão nem fáceis nem de custo baixo e isso já se sabe há muito.