Desfazendo equívocos - FERREIRA GULLAR
Política

Desfazendo equívocos - FERREIRA GULLAR


FOLHA DE SP - 11/03/12

Poetas de SP propuseram que a poesia fosse feita segundo equações, o
que nos pareceu sem propósito

Creio não haver dúvida da importância que tem o movimento neoconcreto
na história recente da arte brasileira. Por isso mesmo, como um dos
fundadores desse movimento, sinto-me na obrigação de esclarecer certos
pontos que ajudam na compreensão de como ele surgiu, como se
desenvolveu e se diversificou.

Costuma-se afirmar que o movimento neoconcreto nasceu da ruptura minha
com o grupo concretista paulista, o que não é verdade. Essa ruptura se
deu em meados de 1957, e o manifesto neoconcreto, por mim redigido,
que dá nome à nova tendência, é de começos de 1959, quase dois anos
depois.
Na verdade, a ideia de caracterizar o grupo de artistas do Rio, até
então considerados concretistas, como neoconcretos nasceu da
constatação de que o que faziam diferia muito do que se considerava
arte concreta. Não foi uma invenção minha, e sim uma constatação.

Na verdade, desde as primeiras manifestações concretistas, nos
primeiros anos da década de 1950, o grupo paulista, liderado por
Waldemar Cordeiro, mostrava-se mais teórico e racionalista na
concepção da obra do que o carioca, mais intuitivo. Essa mesma
diferença se daria, mais tarde, entre os poetas concretos das duas
cidades, o que levou à ruptura.

Como se sabe, os poetas de São Paulo propuseram que a poesia fosse
feita segundo equações matemáticas, o que nos pareceu sem propósito e
irrealizável. A ruptura se deu por essa razão, entre os poetas.

Sem dúvida alguma, essas duas maneiras distintas de ver a criação
artística determinariam as diferenças que marcavam os dois grupos e
que foram se acentuando a cada dia, até me levar à constatação do novo
rumo que tomavam os trabalhos dos artistas plásticos e dos poetas do
grupo carioca.

A ideia de atribuir um nome novo a essas experiências não teve nada a
ver com a rivalidade entre mim e os poetas concretistas paulistas.
Foi, sem dúvida, a constatação de que alguma coisa nova surgira e
começava a tomar corpo. Dar a ela um novo nome e tentar entender o que
se passava só nos fez tomar consciência do caminho novo que se abria
e, a partir daí, explorá-lo, ampliá-lo, enriquecê-lo.

E isso ocorreu não porque teria eu inventado o neoconcretismo, mas sim
porque ele já nascera antes que lhe desse um nome, mesmo porque, em
arte, não é a teoria que cria a obra, e sim o contrário.

Não pretendo afirmar que a criação artística se dá às cegas, por mera
intuição. Digo é que a criação intuitiva vem primeiro e, então, nasce
o diálogo entre a teoria e a prática, uma fecundando a outra.
No caso neoconcreto, houve uma interatividade entre os poetas e os
artistas plásticos, uma vez que, com a poesia concreta, o fator visual
-a construção gráfica do poema- ganhou um peso que não tinha na poesia
até então. Além do mais, os poetas neoconcretos foram além da
exploração gráfica, tornando o poema um objeto manuseável, como nos
"livros-poema", "poemas espaciais" e "poema enterrado".
Essa participação corporal, que ganharia mais amplas dimensões nas
obras de Lygia Clark e Hélio Oiticica, tornou-se uma das principais
contribuições daquele movimento.

Não obstante, a contribuição neoconcreta não se limita a isso. Pelo
fato mesmo de que, em nosso grupo, não imperava a teoria, mas a
criatividade e a intuição de cada um, há que ressaltar o que havia de
original e próprio nos trabalhos de Amílcar de Castro e Franz
Weissmann, por exemplo, que, diferentemente de Lygia e Hélio, não
fizeram da participação corporal o fator de sua linguagem.

Amílcar concebia a placa bidimensional como o elemento primeiro da
escultura e, a partir desse elemento essencial, sem fazer concessões à
linguagem tradicional da escultura, criava a tridimensionalidade, o
volume virtual. Já Weissmann aliava ao rigor formal a intuição da
forma e do espaço, inventando, com ajuda da cor, uma nova poética para
a escultura.

Finalmente, devo esclarecer que não me afastei da arte neoconcreta por
ter rompido com ela e com meus companheiros. Nada disso. Simplesmente,
considerei ter esgotado aquele caminho, ter perdido o entusiasmo com
que o percorria. Caí no vazio. O engajamento político, que ocorreu em
seguida, veio preencher aquele vazio. Minha experiência neoconcreta se
esgotara, mas minha vida, não.




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