A mudança de postura da política de segurança nacional do governo Barack Obama está recebendo tanta atenção quanto as medidas econômicas que deverão ser anunciadas logo nos primeiros dias de governo, a partir de 20 de janeiro. O futuro ministro da Justiça, Eric Holder, tem pela frente uma das missões mais espinhosas, a de conciliar uma política de segurança interna que não favoreça novos ataques terroristas com a adoção de medidas que garantam a premissa da lei e a garantia dos direitos humanos. Holder tem uma longa folha de serviços prestados na área da Justiça, e era uma das vozes mais críticas à maneira como o governo Bush combatia o terrorismo, depois de ter tido palavras de apoio logo em seguida aos ataques de 11 de setembro de 2001.
No impacto dos atentados, Holder admitiu que os Estados Unidos estavam em meio a uma guerra e que os presos podiam ser tratados como combatentes, dando a entender que os excessos do Ato Patriótico editado pelo governo Bush poderiam ser justificados.
Sua posição evoluiu para uma crítica contundente, chamando a política antiterrorista de Bush de "exorbitante e ilegal", passando a defender o fechamento da prisão de Guantánamo em Cuba, onde os prisioneiros da Guerra do Iraque eram confinados sem um julgamento pelas regras do sistema judiciário americano e sem prazo definido de detenção.
Ontem, Eric Holder, que será o primeiro afro-descendente a assumir o Ministério da Justiça, reuniu-se com 12 generais e almirantes reformados, membros de uma ONG chamada Direitos Humanos em Primeiro Lugar, para discutir as técnicas de interrogatório utilizadas pelo governo americano e a política de detenção.
Eles defenderam que técnicas como o afogamento, que não foram consideradas tortura por interpretações jurídicas distorcidas pelo atual Ministério da Justiça, sejam banidas das prisões americanas, e que todas as agências de informação utilizem o mesmo critério de respeito dos direitos humanos no combate ao terrorismo.
Essa mesma preocupação domina toda a nova postura da diplomacia americana, inclusive nos países em que os Estados Unidos estão envolvidos em guerras.
Uma das principais preocupações será fortalecer as instituições democráticas nos países aliados para propiciar o surgimento de um ambiente favorável em que prevaleça a "letra da lei" e a igualdade de direitos.
A orientação da futura administração é que não é possível defender a democracia pela imposição da força, nem sem dar o exemplo moral, que tem que começar pela maneira como as autoridades americanas enfrentam o terrorismo sem adotar ilegalidades a pretexto de defender a democracia.
O repórter Bob Woodward, do "Washington Post", que, junto com o colega Carl Bernstein, tornou-se famoso ao denunciar o caso Watergate - que derrubou o então presidente Nixon -, conta uma história a respeito do general reformado Jim Jones, que será o conselheiro militar da Casa Branca. O episódio mostra bem sua maneira de agir, que se encaixa perfeitamente na postura requerida pelo presidente eleito Barack Obama.
Conta Woodward que, quando era comandante das forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), o general visitou um país que queria entrar para a organização e, para impressionar o general, montou uma exibição das qualidades bélicas de seu exército.
Entre as muitas manobras exibicionistas, havia uma em que um soldado atirava entre as pernas de outro para atingir um alvo colocado atrás.
Encerrada a exibição, o general Jones disse ao comandante do exército local que aqueles malabarismos não faziam nenhum sentido "por que não se atira entre as pernas de ninguém quando se está em uma guerra".
Propôs então ao comandante que seu exército fosse treinado por militares da Otan, para que depois pudesse ser aceito na organização, o que realmente aconteceu.
Um dos pontos mais importantes do futuro plano do governo Obama é exatamente o treinamento em diversos níveis dos países aliados que necessitem reforçar suas instituições democráticas.
Seria uma maneira de espalhar a democracia pelo mundo, como alegava ser seu propósito o presidente George Bush, sem no entanto impô-la pela força, mas pelo exemplo e pelo estímulo.
O governo Obama deve retomar uma política de direitos humanos que teve muita força durante o governo democrata de Jimmy Carter, um exemplo que Obama considera importante ser seguido, muito embora Carter seja tido como melhor ex-presidente do que foi como presidente.
Também a escolha de Susan Rice como embaixadora dos Estados Unidos na Organização das Nações Unidas (ONU), num nível de ministério, dá a medida da importância que a futura administração dará ao papel da ONU e à atuação do país como indutor de atitudes mais ativas do organismo em casos de genocídios.
Ela, que era sua principal assessora internacional durante a campanha, é defensora de "ações dramáticas" contra genocídios como os ocorridos em Darfour ou Ruanda, inclusive ações militares para impedir os assassinatos em massa. |