Apesar de tudo, nos ataques de pânico do mercado financeiro é nos
ativos em dólares que os investidores do mundo inteiro procuram
refúgio. São como galinhas soltas. Assim que pressentem os movimentos
da raposa nos arredores, acorrem instintivamente de volta ao
galinheiro.
Esse "apesar de tudo" que começa esta Coluna carrega um punhado de
coisas negativas: a crise global começou nos Estados Unidos e de lá
ainda não se deslocou; foram os bancos americanos que mais aprontaram
nos últimos cinco anos, com desdobramentos que parecem longe de
acabar, como as últimas denúncias contra o Goldman Sachs vão
comprovando; o mercado imobiliário americano continua prostrado; o
desemprego nos Estados Unidos hoje é de quase 10% e segue crescendo; a
dívida lastreada em títulos do Tesouro americano (T-bonds), de US$ 9,8
trilhões, é considerada insustentável até mesmo pelo presidente Barack
Obama; o rombo orçamentário no ano fiscal que termina em setembro será
de cerca de US$ 1,4 trilhão; o déficit comercial (exportações menos
importações) em 12 meses superava em fevereiro os US$ 530 bilhões... e
podemos seguir por aí.
Os analistas vêm gastando uma profusão de gigabytes para concluir que
essa coleção de gols contra enfraquece inexoravelmente o dólar e o vai
desclassificando como moeda internacional de reserva.
Mas não é o que acontece. Com a ameaça de desmanche do euro e com o
vácuo não preenchido nem pelo iene japonês nem por moedas dos países
emergentes, o dólar continua a se apresentar como a quase única opção
de reserva de valor.
A crise do euro traz sérias consequências para a economia americana e
para o próprio dólar. Em primeiro lugar, tende a aprofundar a recessão
na Europa, o que implica encolhimento do mercado para o produto
americano. Em segundo lugar, a revalorização do dólar tende a atrair
mais importações para os Estados Unidos e, portanto, tende a reforçar
o desemprego.
A nova manifestação da crise global emite sinais ambíguos para o
Brasil. Num primeiro momento, a fuga de capitais também daqui produz
volatilidade. Ao mesmo tempo, o aprofundamento da crise europeia reduz
o afluxo de encomendas para o Brasil e derruba os preços do produto
brasileiro de exportação, especialmente os das commodities.
No entanto, à medida que as coisas começarem a se resolver, e os
capitais saírem da toca, tende a aumentar a confiança do investidor
externo na economia brasileira, desde que o governo não cometa nenhuma
grande besteira.
E o tomatinho?
A inflação em 12 meses terminados em abril, medida pelo IPCA, já está
em 5,26% (a meta é 4,5%). Desta vez, o ministro Guido Mantega não
repetiu que essa é apenas a "inflação do tomatinho" naturalmente
reversível. E a cesta de alimentos continua pesando. Subiu 1,45% em
abril.
Tempo de arrumação
O novo governo do Reino Unido terá agora de enfrentar seus próprios
rombos. As informações da Eurostat, o organismo encarregado das
estatísticas da União Europeia, dão conta de que o déficit fiscal da
Inglaterra em 2009 foi de 11,5% do PIB (equivalente ao da Espanha) e
sua dívida pública alcançou os 68,1% do PIB (apenas um pouco mais
baixa do que a da Irlanda).
Por que mesmo?
Se é verdade que o Banco Central apenas compra dólares para evitar a
volatilidade do câmbio interno, por que, na quinta-feira, quando os
mercados estavam em pânico e o dólar disparou 3%, o Banco Central
seguiu comprando dólares?