O tema mais importante da agenda política de 2009 passou pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara na última terça-feira: o fim da reeleição com mandatos de cincos anos para presidente, governadores e prefeitos. O assunto foi em andamento exatamente de acordo com o roteiro estipulado nas tratativas entre o governador José Serra e o presidente Luiz Inácio da Silva a respeito, logo após as eleições municipais.
Em fevereiro, institui-se a comissão especial e começa a tramitar questão que dirá se o Brasil é um país de normas tão firmes na política quanto na economia ou se vai continuar fazendo delas um periódico a serviço dos interesses de ocasião. Lula está a cavaleiro na discussão, assim como o PT, que foi contra a inclusão da chance de disputa de um segundo mandato consecutivo na Constituição. Serra, pré-candidato do partido inventor do instrumento, foge do desconforto alegando que pessoalmente sempre esteve do lado oposto ao defendido pelo PSDB há pouco mais de dez anos.
Além disso, escora-se no argumento segundo o qual a reeleição "não deu certo". Não cita uma evidência, não mostra uma prova, desconversa quando lembrado sobre a opinião geral (registrada nas pesquisas) em contrário e diz que, podendo ser reeleito, o governante atua de olho na eleição seguinte.
Um sofisma, evidentemente. Todo ser que vive de votos atua constantemente de olho na próxima eleição, sua ou de um substituto. O mundo político funciona na base das pressões do grupo. Se o titular do cargo não se empenha em causa própria, não escapa de se empenhar pela causa do partido, qual seja a conquista ou a permanência no poder.
Portanto, a reeleição não vai alterar o quadro porque não é o fator determinante. Assim como não é a reeleição a responsável pelo uso desbragado da máquina administrativa, prática disseminada desde muito antes de 1996, convenhamos.
O governante que descuidar do governo para se fixar em campanha permanente e que usar o patrimônio público em proveito particular o fará de qualquer modo. E deixará de fazê-lo também de toda maneira, dependendo da qualidade de suas convicções.
A mudança das regras não altera os comportamentos, já demonstrava Roberto Campos numa frase inesquecível de merecida citação recorrente: "Não é a lei que precisa ser forte é a carne que não pode ser fraca."
O governador José Serra e todos os outros patrocinadores e defensores do fim da reeleição têm todo o direito de tentar fazer valer suas certezas e conveniências. Só não podem é querer que as pessoas embarquem em argumentos falaciosos e aceitem casuísmos sem dizer que são casuísmos.
No caso, muitíssimo arriscado. Da forma como é apresentado até parece inocente, sem maiores desdobramentos. A realidade, contudo, não se apresenta tão risonha e franca. Implica riscos e gera conseqüências.
O acerto entre governo e oposição para o fim da reeleição e extensão dos mandatos de quatro para cinco anos não prevê, é óbvio, nada sobre a possibilidade de uma terceira eleição consecutiva. Ao contrário. Nas conversas sobre o assunto até já se chegou a cogitar da prorrogação do mandato de Lula por um ano, mas a hipótese de ele poder se candidatar em 2010 não entra na história.
O problema é que essas coisas não se controlam. O simples fato de a proposta ter sido aprovada na CCJ da Câmara já ensejou a volta do debate sobre terceiro mandato e a realização de plebiscito a respeito.
Na reunião da Comissão de Constituição e Justiça que aprovou o fim da reeleição os deputados governistas tentaram deixar uma brecha aberta. Eles propuseram simplesmente excluir da Constituição qualquer referência à reeleição. A oposição fez questão de deixar explícita a impossibilidade de mandatos consecutivos.
Por quê? Porque o que a lei não proíbe, permite. Se não houver restrição expressa, o PT poderia argumentar que uma vez mudada a regra, o jogo está zerado e, portanto, Lula teria plenas condições de disputar uma eleição pelas novas regras do jogo.
No mesmo dia da aprovação da emenda na CCJ, parlamentares da situação avisaram que na comissão especial vão apresentar propostas de realização do plebiscito e de abertura do caminho para um terceiro mandato para chefes de Poderes Executivos.
Além disso, haverá a mexida no mandato por duas vias: a mudança de quatro para cinco anos e a alteração da data da posse do eleito. Ora, uma vez aberta a discussão, tudo pode acontecer. Inclusive nada, é verdade.
Mas é importante a oposição em geral e o governador José Serra em particular não menosprezarem o adversário, imaginando que ele se manterá exclusivamente dentro dos parâmetros previamente estabelecidos.
O pouco caso ou o excesso de confiança poderá lhes custar o sonho da retomada do poder. E não apenas pela possibilidade de serem derrotados por um "Lula outra vez", mas pela eventualidade de o eleitorado considerar indigno de confiança um partido que despreza princípios e privilegia suas conveniências eleitorais.