Se estiverem corretas as conclusões do delegado Amaro Vieira, no relatório final das investigações sobre a atuação do delegado Protógenes Queiroz no comando da Operação Satiagraha, não há como escapar da evidência: Protógenes tinha as costas quentes. No mínimo, dentro da Polícia Federal, para não dizer no Ministério da Justiça ou até em instâncias superiores.
Não se trata de uma ilação leviana, mas de uma suspeita óbvia, pois um delegado não poderia cometer tantos e tão graves desvios de conduta funcional sem algum tipo de proteção que lhe permitisse agir com desenvoltura e autonomia. Segundo Amaro Vieira, Protógenes subverteu a hierarquia interna, não prestava contas à diretoria de Inteligência Policial, reportando-se diretamente ao então diretor-geral da PF, Paulo Lacerda, usou indevidamente servidores da Agência Brasileira de Inteligência, levou para a estrutura da PF agentes do antigo SNI, hoje dedicados a serviços de investigação particular, e lançou mão de parcerias heterodoxas com o Judiciário, Ministério Público e veículos de comunicação.
Um prontuário robusto, para ser analisado à parte do objeto da operação chefiada pelo delegado agora acusado, contra o banqueiro Daniel Dantas. Uma coisa são os crimes dos quais é acusado Daniel Dantas, outra são as suspeitas que pesam sobre o delegado Protógenes.
Misturar as duas não leva a nada senão ao equívoco de transformar em aceitáveis ações inaceitáveis do investigador para não dar a impressão de que, com isso, defende-se o alvo da investigação original. Os crimes de um não justificam os ilícitos do outro.
Da mesma forma, a eventual condenação funcional do delegado Protógenes não pode encerrar as investigações sobre o episódio. Um homem só não mobiliza os recursos humanos e financeiros necessários para fazer funcionar a rede de ilegalidades que o delegado Amaro Vieira denuncia. Tampouco faz isso sem que encontre obstáculos.
Em seu primeiro depoimento ao Ministério Público, Protógenes Queiroz informou que atuava sob as ordens diretas do presidente da República, sob a coordenação do delegado Paulo Lacerda, com a colaboração de área de inteligência militar, com o conhecimento do procurador Rodrigo de Grandis e do juiz Fausto De Sanctis.
Depois disso, retificou várias vezes suas palavras, desmentiu a participação de todos os outros, admitiu apenas a participação informal e pontual de um ou outro agente da Abin, até que na última quarta-feira se apresentou à CPI dos Grampos em silêncio quase absoluto garantido por habeas corpus do Supremo Tribunal Federal.
Foi loquaz apenas ao acusar. Seja Daniel Dantas ou aqueles tidos por ele seus perseguidores dentro da PF, entre os quais, claro, o delegado Amaro Vieira. Convidado a explicar, calou-se. Supostamente, portanto, porque não poderia fazê-lo sem se incriminar ou sem aprofundar ainda mais as contradições em relação a declarações anteriores. Invocou o HC até mesmo para se recusar a responder a quem se reportava na PF durante a Operação Satiagraha.
De acordo com a investigação agora concluída, prestava contas diretamente ao diretor-geral Paulo Lacerda, a quem continuou a se dirigir mesmo depois da transferência de Lacerda para o comando da Abin.
Na primeira vez em que estiveram na CPI, sem habeas corpus, ambos negaram essa relação, tal como rechaçaram o uso da agência na investigação dos crimes de Daniel Dantas. Quando muito, falaram em "meia dúzia" de agentes para serem desmentidos pela revelação, logo em seguida, de que haviam sido 85.
Depois disso, a polícia descobriu que Protógenes armazenava monumental arquivo de informações sobre autoridades, jornalistas, gente comum, políticos, cuja utilidade é ainda desconhecida, embora possa ser presumida.
Por causa dessa descoberta, a CPI, que já se preparava para fechar as portas sem concluir coisa alguma, resolveu reabrir os trabalhos. Chamou Protógenes, chamará Daniel Dantas, prepara-se para obrigar Lacerda a comparecer.
E por que obrigar se o próprio Lacerda há 15 dias disse à CPI que voltaria quando fosse necessário e estaria sempre à disposição? Porque o ex-diretor da PF, ex-chefe da Abin e atual adido policial na Embaixada do Brasil em Portugal mudou de ideia?
Na terça-feira passada mandou uma carta para a CPI dizendo que na condição de "agente diplomático" estaria impedido de comparecer, na próxima quarta-feira, pela Convenção de Viena. Baseada na Constituição brasileira, contudo, a CPI decidiu manter a convocação. Já esperando que Paulo Lacerda vá lançar mão de algum subterfúgio e, no limite, invocar primeira vez, como fez Protógenes, o direito ao silêncio.
Mas, como pedir o habeas corpus sem se pôr sob suspeita? Protógenes alegou receio de ser preso. Era um artifício para obter o habeas corpus com o intuito exclusivo de não falar. Paulo Lacerda, se também precisar calar, pode recorrer ao estratagema do colega e alegar constrangimento por parte da CPI.