DA VEJA
Reluz, e é ouro
Julia Roberts e Clive Owen duelam no delicioso Duplicidade
Isabela Boscov
Divulgação |
Julia e Clive como os espiões que ora se traem, ora colaboram: hiperarticulados |
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Ray, agente do MI-6, a inteligência britânica, conhece Claire numa festa em Dubai. Passa-lhe uma tremenda cantada, e a cantada cola. Ou isso é o que Ray pensa. Claire, na verdade, é agente da CIA, e desde o início seu alvo era o inglês – que ela larga dormindo, com um sorriso no rosto, mas sem os documentos confidenciais que ele levava. Seis anos depois, Ray e Claire se reencontram. Agora ambos atuam no setor privado, para megacorporações rivais do segmento de higiene, e o acaso dita que eles terão de colaborar numa missão de espionagem industrial. Aliás, tanto pode ser o acaso o responsável por essa reunião, como não: os dois espiões brigam e trocam acusações, mas logoDuplicidade (Duplicity, Estados Unidos, 2009), desde sexta-feira em cartaz no país, dá pistas de que essa não é de fato a primeira vez que eles se reveem. Assim que essa charada estiver resolvida, porém, várias outras já se terão desenhado – e darão origem a tantos outros mistérios, em uma meada cuja ponta só será encontrada no último momento. Duplicidade, assim, é uma espécie de réplica em tom de brincadeira de Conduta de Risco, o trabalho anterior do diretor e roteirista Tony Gilroy: como naquele seu ótimo drama, aqui existem interesses bilionários e muita traição em jogo. Mas desta vez não há inocentes a prejudicar; todos são ladrões tentando roubar de outros ladrões, e a diversão fica assim autorizada.
Não há americano que hoje escreva melhor do que Gilroy aquele tipo de diálogo que tem lugar entre personagens hiperarticulados. Uma escrita assim requer atores à altura, e com sobra. Essa é a combinação que torna Duplicidade tão atraente: como os espiões, Clive Owen, vertiginosamente sexy, e Julia Roberts, menos exibida do que no passado, esgrimem suas falas com uma habilidade que só a química natural pode facilitar. Também os papéis de apoio cabem a craques – tanto que, na deliciosa cena em que os magnatas interpretados por Paul Giamatti e Tom Wilkinson brigam feio, o diretor suprime o som, para que apenas os rostos e bocas se mexendo contem a história. Mas, apesar dos nomes vistosos e da competência, Duplicidade rendeu meros 40 milhões de dólares. Um sinal de que a memória da plateia anda curta – não só no sentido de que a prolongada licença-maternidade de Julia Roberts empalideceu sua estrela, mas também no sentido de que o espectador não quer acompanhar circunvoluções. Ainda que, como as de Duplicidade, elas sejam perfeitamente executadas.
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