COLADO À NOTÍCIA
Intrigas de Estado não quer apenas fazer bom suspense
com assuntos tirados das manchetes. Quer defender a
existência do noticiário impresso e da boa reportagem
Isabela Boscov
Divulgação |
TUDO PELO "FURO" Helen e Crowe, como a editora e o repórter veteranos: apurar é duro e caro, porém essencial |
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Autor de um dos mais fascinantes documentários da última década – Um Dia em Setembro, sobre o assassinato de atletas israelenses por terroristas palestinos na Olimpíada de Munique –, o escocês Kevin Macdonald faz questão de preservar em seu trabalho no cinema comercial o senso de urgência e a propensão para instigar do bom documentarista. Em sua estreia, O Último Rei da Escócia, que há dois anos deu o Oscar de ator a Forest Whitaker, o diretor enveredou pela psique de um protagonista que ficcionista nenhum seria capaz de inventar em tantos detalhes horripilantes e contraditórios – o ditador Idi Amin Dada, que comandou um reino de horror em Uganda entre 1971 e 1979. Por contraste, seu segundo trabalho de ficção, Intrigas de Estado (State of Play, Estados Unidos/Inglaterra, 2009), que estreia nesta sexta-feira no país, abdica de personagens verídicos. Mas não da verossimilhança.
Adaptado de uma minissérie exibida pela BBC inglesa em 2003, o filme parte de dois eventos simples. Certa noite, em Washington, dois jovens são assassinados pela mesma pessoa e no mesmo lugar, embora não tenham nenhuma relação entre si: um é ladrão e drogado, o outro é entregador de pizzas. Na manhã seguinte, uma jovem assessora de um senador republicano (Ben Affleck) morre nos trilhos do metrô, em um aparente caso de suicídio que causa sensação quando se descobre que a moça era amante de seu chefe. As investigações são entregues a repórteres diferentes de um mesmo jornal, o fictício Washington Globe,que muito se parece com o verdadeiro Washington Post, o primeiro a revelar o escândalo de Watergate. O veterano Cal McAffrey (Russell Crowe) fica com os assassinatos, e a novata Della Frye (Rachel McAdams), dona de um blog, cobre o suicídio, em razão de seu potencial para a fofoca e também para evitar um conflito de interesses, já que McAffrey e o senador são amigos desde a faculdade. Logo, porém, as duas investigações se cruzam – e se avolumam, de forma vulcânica, até abraçar uma conspiração que tem em seu centro a PointCorp, corporação gigantesca que fornece soldados e serviços para as guerras no Afeganistão e no Iraque (e que é um decalque da real e muito polêmica Blackwater).
Macdonald combina dois talentos que nem sempre andam juntos. Sabe favorecer o trabalho dos atores, sejam eles fartamente prestigiados, como Russell Crowe, ou nem sempre reconhecidos, como Jason Bateman, que brilha no papel de um relações-públicas de caráter duvidoso. Mas sabe também submetê-los às exigências do enredo, sua motivação primeira, do qual nunca perde o pulso. Não é apenas no seu retrato das tramoias corporativas propiciadas pela guerra, ou na questão sempre explosiva para os americanos da vida sexual de seus políticos, que Intrigas de Estado segue colado à notícia. Ao monte de informação herdado do roteiro original da minissérie, e que comprime sem concessões (alguns diriam sem dó) em duas horas intensas, Macdonald e seus roteiristas – entre os quais Tony Gilroy, também autor e diretor de Duplicidade – acrescentam um outro tópico quente: o da crise dos jornais impressos, ameaçados em boa parte por suas próprias versões on-line.
No tratamento que dá à tensão entre McAffrey, Della e a editora de ambos (Helen Mirren), acuada entre a necessidade do bom jornalismo e a pressão das cifras, o diretor magistralmente termina por fazer desse o foco do filme: um jornalismo que vive de postar a última novidade atende a certas necessidades – mas não tem nos genes e no orçamento a vocação para as apurações longas e duras que resultam na revelação daqueles fatos que verdadeiramente são cruciais para os cidadãos. O desfecho de Intrigas de Estado mostra as rotativas doWashington Globe imprimindo a história que se descobriu nessa batalha. E, no desvelo com que é filmada, sente-se o desejo genuíno do diretor de que a imagem não vire, nem cedo nem tarde, relíquia de museu.
Trailer |