Política
Esquerda de Confiança
Chegámos aquele momento da campanha em que podemos começar a deixar subentendido em quem vamos votar ou então optamos por assumir tal intenção de voto sem parcimónias. Normalmente opto sempre pela primeira abordagem. No entanto, parece-me razoável que quem acompanha regularmente esta rubrica sobre a actualidade política tenha, pelo menos nesta última semana de campanha eleitoral, uma clara percepção sobre em quem votarei e as razões de tal orientação de voto. Assim sendo, partilharei aqui porque votarei Bloco de Esquerda nas próximas eleições.
Escusado será dizer que o meu voto nunca recairia num partido de direita por não ser esse o meu perfil ideológico. Também não recairia no PCP porque, apesar de manifesta simpatia, infelizmente parece-me que continua a ter alguns calcanhares de Aquiles mal resolvidos. Dedicarei portanto algumas linhas a explicar em maior detalhe, porque não votaria PS. Começaria por dizer que, apesar de terem existido uma mão cheia de políticas meritórias nestes últimos seis anos, existiu pelo menos outra mão cheia de políticas lesivas para o que eu entendo ser o interesse do país. Importa não esquecer que este foi o governo das novas oportunidades, mas foi também o governo do encerramento de escolas com menos de 10 alunos; foi o governo do inglês no primeiro ciclo, mas foi também o governo que mais desconsiderou a classe dos professores; foi o governo do aumento da licença de maternidade, mas foi também o governo dos cortes nos subsídios de desemprego; foi o governo/partido da legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas foi também o governo/partido que um ano antes a recusou; foi o governo da taxação das mais-valias em bolsa, mas foi também o governo dos aumentos do IVA, do IRC reduzido para os bancos e da manutenção do off shore da Madeira.
E se a linha política do governo é algo que me afasta do actual PS, é também o perfil e falta de consistência ideológica do seu secretário-geral que menos confiança me inspira. Para além deste ser o Sócrates com estranhos círculos de amizades (Ruis Pedros Soares, Armandos Varas, entre outros), este foi também o Sócrates com inúmeros processos movidos contra jornalistas sob o argumento da campanha negra e das forças ocultas. E, sobretudo, foi o Sócrates que, tal como já aqui escrevi, conseguiu ser quase tudo e o seu contrário nestes últimos anos. Quem nele votar nas próximas eleições, vota no Sócrates defensor do investimento público ou no Sócrates apologista do aperto do cinto? No Sócrates dos aumentos nos salários da Função Pública ou no Sócrates dos cortes em tais salários? No Sócrates que afirmou que não governaria com o FMI ou no Sócrates que diz ser a pessoa indicada para aplicar o programa do FMI?
Em suma, respeitando naturalmente outros valores que determinem a orientação de voto, julgo que votar deve ser um gesto de confiança. Assim sendo, e considerando-me um eleitor de tipicamente de esquerda, opto por uma esquerda de confiança. Uma esquerda que sabemos que hoje não dirá uma coisa e amanhã outra. Uma esquerda que, contrariamente aos lugares comuns que costumam passar, não se cansa de apresentar propostas, que não relativiza, que não se resigna perante o mundo onde se insere. Que não tem dúvidas que a economia deve estar ao serviço das pessoas e que não se cansa de defender um aprofundamento da qualidade da democracia. Voto Bloco porque sei que não terei surpresas desagradáveis vindas do partido a quem confiarei o meu voto.
Terminada esta espécie de tempo de antena, resta-me apelar a que ninguém fique em casa a 5 de Junho. Vote-se em A, B ou C, mas vote-se.
Artigo hoje publicado no
Açoriano Oriental
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