Política
Exageros à parte Dora Kramer
O ESTADO DE S. PAULO
Fala-se do tratamento a que a ministra da Casa Civil será submetida para liquidar um câncer linfático com uma gravidade que o enfrentamento da questão não tem, de acordo com a avaliação dos médicos e os recursos disponíveis na medicina.
Fala-se da candidatura à Presidência como se o nome de Dilma Rousseff não só já estivesse registrado na chapa apoiada pelo presidente Luiz Inácio da Silva, como consagrado pelo público de norte a sul do País.
Misturam-se as duas coisas como se a notícia de que a ministra descobriu um linfoma em estágio inicial desmontasse um esquema de sucessão presidencial desde já exitoso, com todos os compromissos já firmados, cujos signatários se vissem de repente desamparados e, por isso, precisassem arranjar logo o melhor substituto a fim de preservar seus projetos de poder.
Em volta de Dilma Vana Rousseff Linhares, 61 anos de idade, quatro meses de tratamento quimioterápico pela frente e, segundo os médicos, 90% de chance de cura, tudo de repente ficou superlativo: a comiseração, a admiração, a deselegância dos pragmáticos, a rudeza dos precipitados.
Com destaque especial para a manifestação do líder do governo no Senado, Romero Jucá, do PMDB: "É preciso aguardar como esse fato vai ser metabolizado emocionalmente pela opinião pública. Se a questão da saúde de Dilma for encaminhada positivamente, reforçará a imagem de que ela venceu a ditadura, a tortura e o câncer."
Se bem o líder se fez entender, há uma expectativa de que se possa tirar proveito eleitoral da circunstância vivida pela ministra da Casa Civil.
Há, também, a preocupação de que ganhe força a ideia de o PMDB apoiar a oposição, pois, segundo o senador Wellington Salgado, "o grupo serrista com certeza vai tentar tirar vantagem".
No PT, relata-se, o clima seria de abatimento geral pela ausência de um nome alternativo para disputar a sucessão do presidente Luiz Inácio da Silva.
Um exagero abissal, sob todos os aspectos: humano e político.
A apreensão desmedida frente ao quadro exposto pelos médicos não contribui para a serenidade emocional da ministra. O alarmismo abate e fragiliza.
Quem já enfrentou ou assistiu de perto ao enfrentamento de um câncer sabe o valor da racionalidade, do vencer cada passo com otimismo, do viver em ambiente de dedicação exclusiva ao problema, do pensar positivo e agir sem receio.
Atitudes materializadas à perfeição nas figuras do vice-presidente José Alencar e sua mulher Marisa.
A barulheira política seria apenas desnecessária não fosse também oportunista. Quem disse que Dilma Rousseff está fora do jogo por causa do tratamento? Quem disse que estaria com toda certeza "dentro", como candidata de fato, independentemente da saúde?
Objetivamente, nada aconteceu que tenha agora alterado os chamados rumos da sucessão. As inquietações de hoje postas no cenário de uma eventual impossibilidade de Dilma concorrer são as mesmas que já existiam em relação ao desempenho dela como candidata.
Quando partidos aliados ao governo levantam a hipótese de apoiar um candidato da oposição não contam novidade alguma. Apenas cometem a indelicadeza de atribuir a hesitação à saúde da ministra.
Qual deles já havia fechado com o presidente Lula uma aliança eleitoral para 2010? Nenhum. Só o PT, depois de resistir e aparentemente concluir que não havia outro jeito.
O maior ou menor sucesso da ministra como possibilidade ou realidade eleitoral não guarda relação com o problema relatado por Dilma e seus médicos no fim de semana.
Os fatores decisivos são outros e não serão postos na balança agora, 18 meses antes da eleição. Contrapostos a esse prazo os quatro meses necessários à conclusão do tratamento de saúde, vê-se o despropósito das especulações em curso.
Só fazem algum sentido se vistas dentro daquele cenário hipoteticamente desenhado pelo líder Romero Jucá, do "encaminhamento positivo dessa questão" que reforçaria a imagem "de que ela venceu a ditadura, a tortura e o câncer".
Mas isso significa usar o bem mais precioso de uma pessoa para manipulação político-eleitoral. E disso ninguém seria capaz, nem em situação de desmazelo moral completo.
Pela tangente
O pior que poderia acontecer hoje na Câmara seria o plenário derrotar o presidente da Casa, Michel Temer, rejeitando ou modificando por meio de "brechas" a proposta de restringir a cota de passagens aéreas ao uso exclusivo do parlamentar.
Temer perderia não apenas autoridade para "dentro" como ficaria sem créditos "para fora" e ainda perderia um patrimônio que ele e seu grupo dentro do PMDB vêm preservando para usar em 2010: força no partido, do qual é presidente licenciado.
Daí surgiu ontem a ideia de fazer a votação simbólica, mediante acordo de líderes. Sinal de que a maioria dos deputados fecha com a tese da "sagrada família".
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