Três meses depois, afinal a geringonça até funciona. Afinal os entendimentos à esquerda são possíveis. Afinal estes entendimentos conseguem garantir a estabilidade. E, pasme-se, a Europa e as agências de rating não ostracizaram Portugal, levando-nos de imediato a um segundo resgate. Com base numa política de “um dia de cada vez”, a solução governativa encontrada tem demonstrado alguma robustez, tendo inclusive virado a página da austeridade em algumas áreas importantes. Não é uma política perfeita ou isenta de críticas (pelo contrário), mas sim uma política do possível, mostrando que as alternativas afinal até existem.
Mas, tendo em conta que esta é uma maioria apoiada por toda a esquerda parlamentar, importa não só que as políticas sejam diferentes, mas também que o modo de governar consiga ser libertado de velhas práticas. Importa fazer diferente, demonstrando seriedade na governação, respeitando o bem público e não menosprezando a inteligência dos cidadãos. Eis três áreas onde a mudança é particularmente bem-vinda.
1 - No Jobs for the Boys
Sempre que um novo Governo entra em funções, existem centenas de cargos e lugares que passam imediatamente a estar ao alcance da nova força política. Para além dos gabinetes ministeriais, o sector público disponibiliza lugares de direcção em Institutos Públicos, Fundações, Empresas Públicas, entre muitos outros. A tentação de distribuição destes lugares pelos mais fieis, pelos que ajudaram a alcançar o poder, é imediata. Os manuais de ciência política referem-se a estas práticas como “distribuição de recursos”. Importa que esta maioria governamental possa mostrar diferenças relativamente ao que sempre tem acontecido quando o poder muda de mãos em Portugal.
2 – Transparência na Contratação Pública
A contratação pública acaba também por ser frequentemente “afectada” pela chegada de novos atores governamentais. Subitamente, surgem novos fornecedores, novas necessidades e novas soluções indispensáveis a contratar. Como é evidente, sabemos que é através da contratação pública que muitas vezes se compensam os mais fieis pelo apoio concedido no passado e no presente. Coloca-se rapidamente o interesse público em segundo plano, contratando-se o que não se deve a quem não se deve. Importa que o presente governo consiga ser diferente a este respeito, demonstrando total seriedade em toda e qualquer contratação pública.
3 – Mudar o que está mal, continuar o que está bem
“Mudar tudo” acaba por ser sempre a opção mais fácil para quem assume um novo Executivo. Para quê continuar a trabalhar em projetos lançados por outros? Para quê erguer bandeiras ligadas ao anterior Executivo? Mais vale lançar novos projetos, novas prioridades, novas marcas, certo? Pois, mas a verdade é que as mudanças de rumo acabam por ser sempre bastante dispendiosas para o erário público. Inúmeros projetos ficam a meio, estudos válidos são colocados na gaveta para que (adivinhe-se) novos projetos e novos estudos possam surgir. Só uma mente bastante pequena poderá considerar que um antecessor só fez asneiras. Importa assim aplicar a mesma energia na mudança do que está mal e na continuidade do que está bem.
Como é evidente, não podemos esperar este mundo e o outro do novo Governo. E importa ter presente que, apesar do cenário político inovador, trata-se de um Governo do PS, partido que governou Portugal inúmeras vezes nestes 40 anos de democracia. De qualquer modo, o facto de ser suportado politicamente pelo Bloco e pelo PCP concede a todos uma responsabilidade adicional. O Bloco e PCP podem e devem assumir-se sempre como os garantes de que, para além das políticas, também as práticas governativas são diferentes. É com certeza isso que o eleitorado espera deles.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
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