A primeira é afirmar, como ontem afirmou o ministro Guido Mantega, que
"já era esperada e é normal". E o argumento dele é o de que em todos
os janeiros há aumento das mensalidades escolares e reajuste da
condução. No entanto, este foi o janeiro de inflação mais alta desde
2005 e nem tivemos alta dos combustíveis para empurrar os custos dos
transportes para cima.
Essas altas fazem parte da estocada geral dos preços dos serviços. A
disparada reflete-se, também, na difusão dos aumentos, que atingiram
nada menos que 69,3% dos preços que integram o cestão do custo de vida
(IPCA).
Outro jeito escapista de tratar essa inflação é afirmar que ela tem em
grande parte a ver com a alta das commodities, um fenômeno global e
não apenas brasileiro, dando a impressão de que não há nada a fazer.
Não é verdade. Os Estados Unidos e a Europa também enfrentam esse
problema e, no entanto, seu impacto na inflação local hoje é
irrelevante.
Um terceiro jeito escapista de qualificar essa inflação é afirmar que
se trata de uma "pressão sazonal e passageira". Também é uma forma de
negar o fenômeno interno e de não fazer nada, de deixar que sare
sozinho.
Pode-se identificar ainda uma quarta posição. A de alguns empresários
que insistem em que "é melhor essa inflação aí do que aguentar os
juros escorchantes". O problema é que a sociedade, por meio dos canais
escolhidos para isso, definiu que a meta de inflação deste ano é de
4,5%. E, no entanto, como a coisa está, cresce o risco de
ultrapassagem da meta já incluída aí a faixa de tolerância de 2
pontos.
Essa inflação é o produto de três causas que se conjugaram: despesas
excessivas do governo federal; disparada também excessiva do crédito;
e atraso do Banco Central em começar a agir. É o resultado de uma
demanda que avançou muito mais rapidamente do que a capacidade de
oferta da economia e que não encontrou nenhum obstáculo no caminho.
Mostra, também, que, dado o baixo índice de poupança do brasileiro, de
apenas 17% do PIB, e esse nível de investimento, de 20% do PIB, não dá
para crescer entre 7% e 8% ao ano. O motor está queimando óleo e
ameaça fundir.
Também fica claro que, uma vez ultrapassado o que os especialistas
chamam de "taxa neutra de emprego", que é o crescimento dos postos de
trabalho e dos salários acima do aumento da produtividade, fica ainda
mais difícil evitar a inflação. A situação é de pleno emprego (índice
de desemprego de apenas 5,3%) numa paisagem de desaceleração da
atividade industrial que já dura dez meses.
O corretivo é conhecido: contenção das despesas públicas para que
criem menos renda e consumo; redução da velocidade do crescimento do
crédito; e é, lamentável repetir, aumento dos juros. A eficácia da
terapêutica é uma questão de dosagem. Quanto mais vacilar o governo em
reduzir suas despesas, maior terá de ser a dosagem dos juros. Se, em
vez de fazer o jogo do contente; se, em vez de seguir afirmando que
essa inflação não é preocupante e tal; e se o ministro Mantega
reconhecesse que a inflação é o que é (sem ter de exagerar) e que vai
atacá-la com rigor, ganharia em credibilidade e em capacidade de
controlar as expectativas dos agentes econômicos.
CONFIRA
Sem âncora cambial
No combate à inflação, o governo não pode mais contar com a âncora
cambial. A cotação do dólar ainda pode cair um pouco mais, mas já não
cairá a ponto de produzir barateamento ainda maior dos importados. A
baixa inflação mundial também já deu o que tinha de dar. Daqui para
frente, a alta global de preços é mais provável do que a deflação.