FMI, o risco é deflação Alberto Tamer
Política

FMI, o risco é deflação Alberto Tamer


O Estado de S. Paulo - 19/07/2012

E quem diria! O Fundo Monetário Internacional (FMI) pediu ontem ao Banco Central Europeu (BCE) que crie mais euros, injete mais liquidez no sistema, compre mais títulos da dívida soberana da zona do euro porque o risco crescente não é a inflação, mas sim a deflação. Na linguagem do Fundo, que sejam adotadas medidas "não convencionais", rompendo barreiras da ortodoxia. Isso é não só importante, é urgente porque, diz o Fundo, "um aprofundamento do da crise na zona do euro teria substancial implicação na economia mundial".
No documento divulgado ontem, o FMI aumenta o tom e critica severamente a atitude dos governos do bloco. Chega a afirmar, textualmente que "a própria viabilidade da união europeia está em dúvida".
Por quê? Para o Fundo não é a zona do euro que está em crise, é a economia mundial que, prevê, pode crescer menos de 3,5%, mas pode ser menos ainda se a Europa continuar passiva, no caminho em que está e não reagir. E nada fez de efetivo no primeiro trimestre do ano. O Produto Interno Bruto (PIB) do bloco não deve crescer mais de 0,3% este ano, se tanto, mesmo porque alguns países devem entrar em recessão.
O Fundo dá a entender que não pode fazer mais além de alertar e sinalizar que não prevê mais ajuda financeira à zona do euro, porque tem menos em seu orçamento. Na verdade, o que o FMI lançou ontem não foi uma alerta apenas para a zona do euro, mas para o mundo.
É pouco. O Fundo só vê um caminho que pode dar resultado em curto prazo para evitar o pior: mais ousadia do Banco Central Europeu, mais incentivo à demanda.
O BCE já comprou 212 bilhões de títulos da dívida dos governos da zona do euro desde 2010, mas o Fundo diz que ainda é pouco. Precisa comprar talvez o dobro, mesmo rompendo as limitações impostas à aquisição direta de papéis. Pode e deve operar mais no mercado de títulos secundários, pode e deve emitir mais, pode e deve ser mais agressivo, atuante nessa área, além de oferecer financiamento aos bancos.
A inflação já era. Outra heresia saudável: não tenham medo da inflação. Os preços estão recuando mesmo porque há menos consumo e mais desemprego, o índice deve ficar abaixo de 2,0% no próximo ano. Na realidade, é o que Paul Krugman e outros prêmios Nobel têm pedido com insistência: mais inflação, senhores, mais injeção de ânimo na economia. O FMI afirma que as reformas estruturais são necessárias, elas podem ser ajudadas por um afrouxamento da política monetária, mas os resultados demoram e a prioridade é evitar a recessão e a deflação.
Brasil na linha. Nesse cenário mundial de alto risco, o Brasil segue o caminho de mais estímulo fiscal e monetário sem temer a retomada da inflação. Ela está o dobro da registrada nos Estados Unidos e na Europa, mas não só recua como não existem sinais de novas pressões. Os juros estão caindo, e o estímulo ao crédito continua aumentado e se estima que pelo menos R$ 65 bilhões saíram do compulsório e entraram no sistema. Na crise do Lehman Brothers, em 2008, quando houve falta de financiamento externo, o Banco Central liberou RS$ 100 bilhões.
O BC tem liberado recursos para o financiamento de veículos e para a safra agrícola, há espaço para mais ação, pois o depósito compulsório é ainda da ordem de R$ 450 bilhões.
Outro fato que contrasta com inércia da Europa e as limitações políticas de Obama nos Estados Unidos, é a decisão do governo de usar a política fiscal para estimular a demanda interna, agora sustentada pelo aumento da renda das famílias. Exemplo, antecipação de gastos e pagamentos com a devolução da restituição do imposto de renda e se prevê também antecipação do 13.º salário.
É pouco? Sim, porém é o que o Fundo Monetário Internacional sugere agora, alertando para uma forte desaceleração da economia mundial este ano. Mais, muito mais importante, mesmo que o PIB cresça apenas 2,0%, ou um pouco menos, as condições internas, fiscais, monetária e, principalmente, tributárias permitem que o governo faça o que a Europa se recusa a fazer e os Estados Unidos não podem fazer. O cenário externo se agrava a cada semana que passa, a China anuncia um crescimento de apenas 7,6% no trimestre, mas os analistas começam a duvidar dessa estimativa, pois o consumo de energia elétrica caiu mais de15%. Nos Estados Unidos, Ben Bernanke reafirma o que vem dizendo há meses: que o Fed pode agir, mas não age, adia, enrola, e só os países que ainda contam com a expansão do mercado de commodities sustentam algum crescimento.
O que o documento importantíssimo do FMI divulgado ontem e as previsões revelam é uma economia mundial afundando, o desemprego aumentando. Tudo o que foi feito este ano não deu certo. Os economistas falharam. Agora, insinua o Fundo, é mudar as regras, pôr de lado a política de austeridade fiscal. E, porque, diz o Fundo, se for preciso, aceitar mais inflação.
Onde? Nos Estados Unidos, na Europa, na China, no Japão, no mundo. É hora de revisitar os velhos fantasmas que, felizmente, não assustam mais o Brasil.



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