Otávio Cabral
Ian Langsdom/Pool/AFP e Fabrice Coffrini/AFP |
ENCRENCA DIPLOMÁTICA |
O presidente Lula selou a maior compra militar do estado brasileiro desde a II Guerra Mundial tomando caipirinha e comendo moqueca de peixe no Palácio da Alvorada, na noite de domingo, véspera do feriado da Independência do Brasil. Seu companheiro de mesa era Nicolas Sarkozy, presidente francês, que estava no Brasil cumprindo uma tarefa de caixeiro-viajante: vender à Força Aérea Brasileira 36 aviões de combate Rafale, produzidos pela francesa Dassault – uma operação de 4 bilhões de dólares. Há onze anos que o Brasil prepara a compra de caças desse tipo, os quais, pela imensa capacidade de destruição e defesa, elevarão o poder geopolítico do país na América Latina. Estudos técnicos foram feitos e refeitos, orçamentos foram calculados e recalculados, diálogos diplomáticos foram entabulados e reiniciados – e todos esses esforços dissiparam-se numa decisão política tomada na privacidade de um jantar. Lula regateou, Sarkozy prometeu comprar aviões da Embraer; Lula regateou novamente, Sarkozy prometeu "transferir tecnologia" para o Brasil. Conversa vai, conversa vem... e negócio fechado! O acordo foi anunciado pelo presidente no dia seguinte.
A intempestiva decisão presidencial enfureceu, com razão, os concorrentes da Dassault. A americana Boeing e a sueca Saab disputavam com a empresa francesa a fase final da compra. Ambas ainda respondiam às dúvidas da Aeronáutica e negociavam preço e condições com o ministro da Defesa, Nelson Jobim. Havia a expectativa de que a escolha só se desse no fim de outubro, quando terminassem as conversas diplomáticas e os testes militares. A reação dos países perdedores foi previsível e imediata – especialmente dos Estados Unidos. A embaixada americana no Brasil divulgou nota afirmando que a Boeing fará nova oferta e não abre mão de participar das negociações. No Itamaraty, há o temor de que os americanos promovam alguma retaliação comercial. O anúncio precipitado de Lula também desagradou aos militares, que se sentiram negligenciados na escolha. Negociações envolvendo armamentos são sempre feitas de governo para governo, mesmo que as empresas interessadas sejam privadas. Isso não impede, entretanto, que a opinião técnica seja levada em consideração.
Na caserna, o sentimento é de perplexidade: a cúpula das Forças Armadas avalia que foi ignorada pelo presidente Lula. O brigadeiro Juniti Saito, comandante da Aeronáutica, pensou em pedir demissão. Foi dissuadido por Jobim, que se viu obrigado a contornar a lambança de Lula emitindo uma nota no dia seguinte ao anúncio presidencial para explicar que a compra ainda não estava fechada. Jobim e o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, apesar disso, também se manifestaram a favor do negócio com a França, recorrendo ao argumento de que a aliança com os franceses seria estratégica para reduzir o poder dos Estados Unidos na América Latina – e, naturalmente, ampliar a influência brasileira na região. Se o meganegócio for confirmado, como tudo indica que será, a Dassault deverá escapar de uma grave crise financeira – para felicidade de Sarkozy e do dono da empresa, Serge Dassault, senador pelo mesmo partido do presidente francês.