Política
Grevismo anarquista - RICARDO VÉLEZ RODRIGUEZ
O ESTADÃO - 29/08A onda de greves no serviço público decorre, em primeiro lugar, da irresponsabilidade dos sucessivos governos e do Congresso Nacional, que, em 24 anos, não conseguiram regulamentar a matéria em lei. Decorre, em segundo lugar, do espírito patrimonialista - presente nos grevistas -, de privatização do espaço público e das funções estatais, como se fossem propriedade particular de quem as exerce.O Brasil está à beira do colapso, com paralisações do pessoal que presta serviços essenciais em portos, aeroportos, postos de fiscalização nas estradas, etc. As operações de vigilância em rodovias e nas fronteiras simplesmente não são realizadas por causa da greve dos policiais federais e dos policiais rodoviários federais. Cidadãos que precisam de medicamentos importados sofrem na própria pele a paralisação dos funcionários da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Os alunos das universidades federais do País já há mais de três meses não têm aulas, vendo comprometida seriamente a sua formação profissional. É como se o Brasil estivesse catatônico por obra de uma estranha doença que atinge o sistema nervoso do serviço público.Falarmos em anarquismo da liderança sindical - a "anarquia branca" de que falava Oliveira Vianna no livro Instituições Políticas Brasileiras - talvez traduza o que se passa atualmente. As siglas à esquerda do Partido dos Trabalhadores (PT) passaram a dominar as centrais sindicais. Aprenderam com os seus mestres - os petistas - como se deve fazer uma greve, azucrinando a vida dos cidadãos inermes, a fim de chantagear o governo para que ceda às suas descabidas exigências.O PT prova do próprio veneno, que inoculou no movimento sindical há mais de 20 anos. Já existe até sindicalista pensando em apelar ao Supremo Tribunal Federal (STF) com o propósito de ver consagrado o seu direito de greve remunerada. É o cúmulo do cinismo!Não votei em Dilma Rousseff, não votei em Luiz Inácio Lula da Silva, tenho sido um crítico constante da mediocridade e da corrupção dos governos petistas e lamento a oposição pusilânime que temos atualmente no Parlamento. Acho, porém, que a presidente da República está certa ao não ceder à chantagem do sindicalismo oficial. Por outro lado, acho tímidas demais as medidas tomadas pelo governo em termos de estimular o crescimento econômico, com "concessões" entregues à iniciativa privada para que esta construa, conserve e administre estradas e aeroportos. Considero que essas medidas "meia-sola" não resolvem os problemas de infraestrutura. O governo federal, se quiser sair do atoleiro em que se encontra, deveria privatizar para valer, permitindo que quem tiver experiência e for eficiente lá fora venha aqui fazer o mesmo.Nos atuais momentos de paralisia induzida pelo anarquismo sindical, é necessário que o governo corte o ar de um movimento que age declaradamente contra os interesses do Brasil, como se verificava nos idos de 1980 na Inglaterra. A presidente Dilma pode-se firmar como estadista se, juntamente com as privatizações necessárias, confrontar de forma decidida os dirigentes do grevismo irresponsável e obrigar os funcionários a voltarem às suas tarefas. Margaret Thatcher fez isso na Inglaterra e o país superou os empecilhos que o impediam de se desenvolver.Particularmente lamentável é o movimento grevista nas universidades federais brasileiras. Não concordo com a maneira irresponsável de apresentar propostas de melhoria salarial para os docentes e funcionários em meio a uma greve que não termina. Salários dignos, sim, todavia sem prejudicar a comunidade acadêmica, como está ocorrendo. E incluindo uma cláusula que foi relegada ao esquecimento: a avaliação, feita regularmente, da eficiência dos serviços prestados. Isso é democrático e justo.Atualmente a avaliação de docentes e de funcionários nas universidades federais é apenas formal. Deveria haver um mecanismo sério, não ideológico nem clientelista, que permitisse avaliar, de forma constante, a qualidade dos serviços prestados por mestres e funcionários. Avaliação docente continuada somente se faz, hoje, nas academias militares.As greves, notadamente no campo da saúde, da educação e da segurança, deveriam ser rigorosamente regulamentadas, para garantir a prestação de serviços essenciais à população, que paga a conta. No projeto de lei que o senador Aloysio Nunes Ferreira preparou para apresentar ao Congresso Nacional está contemplado que, nas atividades essenciais - como as mencionadas acima -, pelo menos 60% do serviço seja garantido, em caso de greve. Que o senador apresente logo a sua proposta para ser votada.A situação é grave. Quando está em jogo o bem comum, os interesses particulares têm de ser disciplinados para que o caos não se instale. Os grevistas devem voltar ao trabalho. E o governo dispõe de instrumentos para obrigá-los a cumprir as suas funções.É necessário que o funcionalismo público federal entenda, de uma vez por todas, que os recursos do Orçamento da União são limitados. Como frisou recente editorial de O Estado de S. Paulo (Caindo na real, 24/8, A3), "durante anos o governo Lula beneficiou o funcionalismo federal com reajustes acima da inflação, que recompuseram com sobras o poder de compra de centenas de milhares de servidores. É normal que se tenham acostumado a esses benefícios, principalmente porque, tendo o PT fincado pé na administração federal, se consolidou entre a insaciável companheirada a convicção de que o Estado deve ser o Grande Provedor". Trata-se da reedição, em pleno século 21, do princípio pombalino de que cabe ao Estado "garantir a riqueza da Nação" sem que seja necessário os cidadãos trabalharem, bastando "se encostar no Estado".
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