Política
Guerra e Paz *
"A guerra nunca deflagra subitamente: a sua extensão não é obra de um instante”.
Carl Von Clausewitz
(...) Logo depois da Segunda Guerra Mundial,
Hans Morgenthau (1), pai da teoria política internacional norte-americana, formulou uma tese muito simples e clássica, sobre a origem das guerras. Segundo
Morghentau: “a permanência do status de subordinação dos países derrotados numa guerra, pode facilmente produzir a vontade destes países desfazerem a derrota e jogarem por terra o novo status quo internacional criado pelos vitoriosos, retomando o seu antigo lugar na hierarquia do poder mundial. Ou seja, a política imperialista dos países vitoriosos tende a provocar uma política imperialista igual e contrária da parte dos derrotados. E se o derrotado não tiver sido arruinado para sempre, ele quererá retomar os territórios que perdeu, e se possível, ganhar ainda mais do que perdeu, na última guerra” (2) .
Em 1991, depois do fim da Guerra Fria,
não houve um Acordo de Paz, que estabelecesse as perdas da URSS, e que definisse claramente as regras da nova ordem mundial, imposta pelos vitoriosos, como havia acontecido no fim da Primeira e da Segunda Guerras Mundiais. De facto, a URSS não foi atacada, o seu exército não foi destruído e os seus governantes não foram punidos, mas durante toda a década de 90, os EUA e a UE apoiaram a autonomia dos países da antiga zona de influencia soviética, e promoveram activamente o desmembramento do território russo. Começando pela Letónia, Estónia e Lituania, e seguindo pela Ucrânia, a Bielorússia, os Balcãs, o Cáucaso e os países da Ásia Central.
Neste período, os EUA também lideraram a expansão da NATO, na direcção do leste, contra a opinião de alguns países europeus. E mais recentemente, os EUA e a UE apoiaram a independência do Kosovo, aceleraram a instalação do seu “
escudo anti-mísseis”, na Europa Central, (na Polonia e Republica Checa) e estão armando e treinando as forças armadas da Ucrânia, da Geórgia e dos países da Ásia Central, sem levar em conta que a maior parte destes países pertenceu ao território russo, durante os últimos três séculos. Em 1890,
o Império Russo, construído no século XVIII, por Pedro o Grande e Catarina II,
tinha 22.400.000 Km2 e 130 milhões de habitantes. Era o segundo maior império contíguo da história da humanidade, e era uma das cinco maiores potências da Europa.
No século XX,
durante o período soviético, o território russo manteve-se do mesmo tamanho,
a população chegou a 300 milhões de habitantes, e a Rússia transformou-se na segunda maior potência militar e económica do mundo. Pois bem,
hoje a Rússia tem 17.075.200 km 2 e apenas 152 milhões de habitantes, ou seja, em apenas uma década, a década de 1990, a Rússia
perdeu cerca de 5 .000.000 km2 , e cerca de 140 milhões de habitantes.
A maior parte dos analistas internacionais que se dedicam a prever o futuro esquecem-se – em geral - que
os grandes vitoriosos de 1991, não foram apenas os EUA, foram os EUA, a China e a Alemanha (
como motor económico da União Europeia e cadeia de transmissão do imperialismo via BCE). Numa viragem histórica onde
só houve um grande derrotado, a URSS, cuja destruição trouxe de volta ao cenário internacional, uma Rússia mutilada e ressentida. A Alemanha e a China ainda levarão muitos anos para “digerir” os novos territórios e zonas de influência que conquistaram, nas últimas décadas, na Europa Central e no Sudeste Asiático. Enquanto isto,
o desaparecimento da União Soviética colocou a Rússia na condição de uma potência derrotada, que
perdeu um quarto do seu território, e metade de sua população, mas que ainda mantém de pé o seu armamento atómico, e o seu potencial militar e económico, junto com uma decisão cada vez mais explícita “
de desfazer a derrota, e jogar por terra o novo status quo internacional criado pelos vitoriosos (em 1991),
retomando seu lugar na hierarquia do poder mundial”. (3)
(ver mais)
Por isto, neste início do século XXI, a Rússia é um desafio e uma incógnita, para os dirigentes de Bruxelas e de Washington e para os comandantes militares da NATO. Quando na verdade, o mistério não é tão grande, e
se Hans Morghentau tiver razão, trata-se de um segredo de polichinelo:
a Rússia foi a grande perdedora da década de 90, e ao contrário do que diz o senso comum, será a grande questionadora da nova ordem mundial, qualquer que ela seja, até que lhe devolvam - ou ela retome - o seu velho território, conquistado por Pedro o Grande e Catarina II. Por isso, a actual guerra na Geórgia não é uma guerra antiga,
pelo contrário, é um anúncio do futuro"
* adaptação parcial do texto de
José Luis Fiori publicado na "Revista Económica" (Brasil)
notas:
(1) Como não podia deixar de ser entre os grandes decisores das grandes linhas politicas norte americanas
Hans Joachim Morgenthau foi um judeu alemão que emigrou para os EUA em 1930, vindo a ser personagem importante na declaração de guerra da diáspora judaica americana ao regime nacional socialista de Adolf Hitler. Tradicionalmente radicada nos EUA, na
familia Morgenthau notabilizaram-se
Henry Morgenthau Jr., o subsecretário de Estado do Tesouro que fundou a Conferência de Bretton Woods, que esteve na origem da criação do FMI e do International Bank for Reconstruction and Development (o Banco Mundial); e ainda
Robert M. Morgenthau, procurador geral do Estado de New York desde 1975, que só por si merece um post aparte,,,
(2)
Hans J. Morgenthau, (1993) [1948]. "
Politics Among Nations. The Struggle for Power and Peace", Mc Graw, New York, pág. 66
(3) ver também:
Serge Halimi "The Return of Russia" - publicado na Monthly Review.
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