Política
Hora mista Miriam Leitão
O GLOBO
No dia 10 do mês que vem, o Brasil terá a confirmação oficial de que saiu da recessão. O IBGE vai dizer que o PIB do segundo trimestre teve uma taxa positiva em relação ao primeiro trimestre.
Mas em relação a 2008 haverá queda.
Ficaremos com um pé no crescimento e outro na retração. O pior ficou para trás, mas estragos foram feitos. Hora mista de ânimo e cautela.
Não foi um passeio. Não tem sido. O país perdeu mais de quatro pontos percentuais de crescimento com a crise, levando em conta o que se esperava de alta do PIB antes de setembro de 2008. Em economia, é perda aquilo que se deixou de ganhar.
Antes da crise, o Boletim Focus projetava expansão em torno de 4% para 2009. Hoje, estima retração de 0,3%. A indústria foi a nocaute. A previsão era de crescer mais de 5% em 2009, agora a previsão é de queda de mais de 7%. Conversamos com os setores. Eles enxergam dúvidas e incertezas.
A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) está preocupada com as exportações de soja e minério de ferro. Toda a safra de soja já foi exportada; e a China dá sinais de que está novamente com estoques elevados de minério. Isso significa exportar menos. As importações estão em alta. A média diária em agosto subiu de US$ 468 milhões, na primeira semana, para US$ 502 milhões, na segunda, chegando a US$ 544, na terceira.
— A liquidação de produtos continua mundo afora e nossa moeda voltou a se valorizar, facilitando a importação e dificultando a exportação.
O medo é que aconteça substituição de produtos manufaturados brasileiros por importados, com impactos no nosso nível de atividade e reflexos também no mercado de trabalho — disse o presidente da AEB, José Augusto de Castro.
Ele estima que desde o pior momento da crise a demanda externa tenha se recuperado cerca de 20% a 30%.
A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) prevê retração de 2% no faturamento anual, mas admite que pensa em rever para pior a taxa. No primeiro semestre, a queda foi de 13%, na comparação com 2008. Todos os segmentos do setor apresentaram quedas, que variaram de -3% a -29%. Cerca de 7 mil empregos foram perdidos e no melhor cenário esse número deve se manter até o final do ano. De acordo com o presidente da Abinee, Humberto Barbato, a imprevisibilidade continua: — O cancelamento de nossas encomendas chegou a 16% em abril. Em maio, houve melhora, com apenas 1% de cancelamentos. Em junho, piorou e foi para 5%, saltando para 8%, em julho.
Na pesquisa com nossos empresários, de janeiro a fevereiro o ritmo de negócios estava abaixo do esperado para 59%. Em março, foi para 51%, sinalizando melhora.
Mas entre abril e maio voltou a subir para 59%, caindo para 49%, em junho. Com indicadores assim, é difícil ver uma tendência e isso dificulta a tomada de decisão.
A Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) diz que por causa de 2009 levará mais tempo para acabar com o déficit de investimentos do país. São obras em saneamento básico, transporte e logística, que foram paralisadas e adiadas.
No melhor cenário, o presidente da entidade, Paulo Godoy, espera manter em 2009 o mesmo nível de investimentos de 2008, na casa dos R$ 106 bilhões. Metade disso é gasto da Petrobras.
Os investimentos haviam praticamente dobrado de 2003 a 2008, dando um salto de R$ 55 bilhões para R$ 106 bi. A meta da Abdib é de R$ 160 bilhões por ano.
— A gente esperava atingir essa meta em três ou quatro anos. Se não fosse a crise, esse processo seria agilizado — afirmou Godoy.
O crédito externo, que antes de setembro era 20% dos financiamentos, continua com as torneiras praticamente fechadas e só responde por 3% dos recursos. O setor vem se mantendo com créditos do setor público.
O setor siderúrgico respira aliviado após o colapso do final do ano. De acordo com o vice-presidente executivo do Instituto Aço Brasil (IABr), antigo IBS, Marco Polo Lopes, dos 119 altos-fornos do mundo, nada menos que 73 foram paralisados. Desses, 36 voltaram a funcionar. Aqui no Brasil, 8 dos 14 pararam. Dois continuam fora de atividade.
— Estamos com otimismo moderado. O setor externo, que responde por 40% do nosso consumo, continua uma incógnita. Os preços caíram muito mas já recuperaram um pouco nos últimos 45 dias por conta da melhora no nível dos estoques. Devemos fechar o ano em linha com o resto do mundo: com queda de 22% no consumo interno — disse Marco Polo.
A indústria têxtil acumula 10,98% de queda na produção até junho, comparada com igual período de 2008.
O setor de vestuário também apresenta forte queda de 13,61%. A utilização da capacidade instalada foi a mais baixa para um mês de junho de 2005 para cá. A Abit, associação da indústria têxtil, comemora o inverno prolongado que garantiu aumento das vendas.
Cinco mil empregos foram criados, zerando as perdas desde o início da crise.
— Julho foi um mês atípico, com criação de 5 mil postos. Isso fez com que o saldo deste ano saísse de -4,5 mil para cerca de 500 postos criados. Mas não esperamos manter esse ritmo até o final do ano — explicou Fernando Pimentel, presidente da Abit.
Tecnicamente, a recessão está no fim, mas ainda é difícil calcular os estragos e os custos da crise.
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