Dizem que o sistema de churrascaria rodízio foi inventado no Brasil, nas margens das rodovias do Sul, na década de 60. O apelo é a ausência de limite, a não ser o da própria saciedade. É o inverso do “you can’t eat your cake and have it too”, uma expressão em inglês, que indica: se comer, não tem mais. No Brasil, o atual viés é comer e esperar mais, como no rodízio.
Explico. O Brasil quer investir e consumir mais, tanto no setor público como no privado. E, pelo ritmo atual, bem mais. Para que isso seja possível simultaneamente, há a necessidade de financiamento externo.
O que significa influxos de capital, apreciação cambial e déficits externos. Mas tais consequências são indesejadas por muitos.
Colocam-se barreiras aos fluxos de capital, esperando conter a apreciação e os déficits. Mas o consumo público e privado continua sendo estimulado, o que requer os mesmos déficits que se deseja evitar.
O contexto internacional reforça esse dilema. Tudo indica que o Brasil está tendo um novo papel global. É uma economia com vistas a um crescimento acelerado do seu mercado doméstico, num mundo onde o consumidor global deve retrair-se. A perspectiva de um crescimento maior do mercado doméstico abre uma nova fronteira de oportunidades para investimentos. Isso atrai novos empreendedores locais, assim como investimentos estrangeiros. Ao mesmo tempo, a riqueza internacional está em busca de oportunidades nos mercados emergentes, agora que a crise global deve colocar limites ao crescimento nas economias maduras (as elevadas dívidas públicas devem limitar o crescimento potencial, e o sistema financeiro internacional mais regulado deve ter mais dificuldade de reduzir a disponibilidade de crédito — a chamada “desalavancagem”).
O lado da demanda e o da oferta de recursos combinam, o que normalmente indica uma tendência.
E, nessa tendência, os déficits externos devem continuar aumentando.
Com crescimento mais forte no Brasil (por exemplo, 5,5%, em 2010) e com câmbio na faixa de R$ 1,70, o déficit deve elevar-se para 4% do PIB em dois a três anos. Uma boa parte desse déficit deve ser financiada com maiores ingressos de investimento direto (próximos de 3% do PIB). Fluxos de portifólio — para a bolsa, em emissões primárias ou não, e renda fixa — também devem continuar a entrar.
A lógica econômica global e local não significa que não haja opções de política econômica. Uma redução do crescimento do gasto público seria uma medida que alteraria o equilíbrio macroeconômico e permitiria mudanças permanentes na taxa de câmbio (mais controle sobre o gasto público, mais espaço para as exportações, via um câmbio mais depreciado).
Ou seja, uma mudança na taxa de câmbio no médio e longo prazo depende de alteração do atual equilíbrio macroeconômico: uma economia que deseja simultaneamente aumentar o gasto público, o consumo privado e os investimentos requer poupança externa (ou seja, déficit externo).
O câmbio (em termos reais) é apenas o veículo que a economia encontra para viabilizar esse déficit.
Portanto, existe, sim, a possibilidade de crescimento maior — sem déficits maiores ou câmbio mais apreciado — desde que se faça a opção política pela redução do crescimento dos gastos correntes, premiando a eficiência na provisão dos serviços públicos. É uma visão que leva em consideração o equilíbrio macroeconômico.
Em suma, o debate sobre a apreciação cambial reflete os conflitos que surgem neste novo contexto internacional: financiamento internacional abundante para economias que possuem grande potencial de crescimento dos mercados domésticos. Isso gera influxos de capital, apreciação cambial e aumento do déficit externo. O governo batalha para evitar excessos e bolhas. Existem instrumentos disponíveis de cur to prazo (como mais inter venção e a volta dos swaps cambiais), mas esses só são eficazes quando combinados com medidas que alterem o equilíbrio macroeconômico, como a redução do gasto público, que permite mudanças permanentes na taxa de câmbio e nos déficits externos