A maioria dos analistas passou a questioná-la. Argumentam que a
presidente deixou agora muito claro o que para muitos era ainda
nebuloso: entre crescimento econômico e inflação, seu governo fica com
o primeiro.
A própria Dilma Rousseff reafirmou sua escolha. Na quinta-feira, ao
responder à quase unânime condenação dos analistas de mercado à
decisão do BC, centrou seu argumento na necessidade de o País
continuar crescendo e investindo para enfrentar a crise externa.
Nenhuma única palavra sobre o efeito inflacionário que essa opção pode
desencadear neste e no próximo ano - o foco das críticas.
"O Banco Central do Brasil tem como missão institucional a
estabilidade do poder de compra da moeda (ou seja, controle da
inflação) e a solidez do sistema financeiro" - esse é o conceito que
define e resume o papel do Banco Central no Brasil. Ou seja, o BC é o
guardião da moeda, sua obrigação é defender seu poder de compra e
ponto final. A atribuição de estimular o crescimento e o investimento
é de outros ministérios, não do BC.
Nos Estados Unidos é diferente. O Federal Reserve (Fed) acompanha,
avalia e persegue o equilíbrio entre inflação e crescimento, entre
controle de preços e expansão da demanda. É responsabilidade do banco
central norte-americano garantir as duas coisas: controle da inflação
e crescimento econômico.
O BC não é o Fed, mas agiu como se fosse. Na reunião do Comitê de
Política Monetária (Copom), na quarta-feira, seus diretores, todos
antigos e experientes funcionários da casa, ignoraram a missão de
controlar a inflação, puseram em risco a credibilidade e a autonomia
de decisão do banco e aderiram à escolha da presidente de priorizar o
crescimento. O governo pode até mudar a lei que define a missão do BC,
mas enquanto isso não acontecer o Copom tem de decidir taxa de juros
olhando a inflação, não o crescimento.
O ruim da reunião do Copom na quarta-feira está menos na decisão de
baixar os juros e mais na sucessão de trapalhadas que a antecedeu,
cometidas pela presidente, por alguns ministros e, depois, pelo
próprio Banco Central. Baixar juros é sempre bom, é saudável para a
economia, mas é preciso observar se as condições permitem. Se a
contrapartida for o descontrole da inflação, como avaliam os
analistas, é ruim, porque a população excluída - que a presidente quer
tanto incluir com o Plano Brasil Sem Miséria - será a mais castigada.
Quanto à decisão, o futuro dirá se baixar a Selic foi certo ou errado.
Neste momento, o prejuízo maior se deu no plano institucional, na
percepção de credibilidade e de autonomia do Banco Central, essenciais
para o cumprimento de sua missão. Se já havia desconfiança de
interferência do Palácio do Planalto no BC, desta vez passou a haver
certeza. E por quê?
Primeiro, está no discurso. Desde a crise de 2008 o governo e o Banco
Central têm repetido que os dois grandes trunfos a blindar o Brasil
contra os efeitos da crise são as reservas cambiais e a pujança do
mercado interno, que tem garantido consumo e crescimento. O argumento
sempre foi: a crise lá fora prejudica as exportações, mas o consumo
interno garante o crescimento. Pois bem, hoje as reservas estão em US$
350 bilhões, 75% acima de 2008. Quanto ao mercado interno, o consumo
das famílias, o emprego e a renda do trabalho continuam em alta.
Portanto, pelos dois critérios, o País está mais bem defendido do que
em 2008. Mas de repente o Copom se contradiz ao fundamentar sua
decisão na conjuntura externa, não na interna. Afinal, em que discurso
acreditar?
Há sinais de que a Ata do Copom virá com a justificativa de que o
desaquecimento doméstico está acima do esperado, o que seria
comprovado pelos números do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo
trimestre, divulgados na sexta-feira. É certo que o PIB mostra
desaceleração da indústria em relação ao primeiro trimestre, com
variação positiva de 0,2%, e levemente negativa em 0,1% na
agropecuária. Nada que não possa ser revertido no trimestre seguinte.
Mas o quadro está longe de ameaça de recessão, estamos falando de um
PIB que cresceu 0,8%, entre o primeiro e o segundo trimestres; e 3,6%,
ante o primeiro semestre de 2010. Portanto, não há razão para o tom
alarmista do comunicado do Copom. O Banco Central deveria é comemorar
o sucesso de suas políticas macroprudenciais para desaquecer a
economia, tão atacadas e desacreditadas pelo mercado.
As trapalhadas. Em segundo lugar, nos dois dias que antecederam a
reunião do Copom, a presidente Dilma Rousseff e alguns de seus
ministros ensaiaram um coro coletivo em defesa da queda dos juros e
engatilharam uma série de trapalhadas que puseram em xeque a autonomia
do BC, gerando a certeza de influência do Palácio do Planalto na
decisão do Copom.
Dilma Rousseff deu a senha na manhã de segunda-feira, quando defendeu
publicamente o corte da Selic. À tarde, o ministro da Fazenda, Guido
Mantega, convocou a imprensa para anunciar que os R$ 10 bilhões de
sobra da arrecadação tributária não seriam gastos, mas poupados e
transferidos para o superávit primário. Isso tudo às vésperas da
reunião do Copom. E deu uma dica claríssima de que já conhecia a
decisão da Selic, que só viria dois dias depois: "Se vier uma situação
pior para a economia brasileira, o Banco Central estará em condições
de reagir com políticas monetárias mais expansionistas". Parecia
conhecer o conteúdo do texto do comunicado do Copom.
Ainda na segunda-feira, o ministro do Desenvolvimento, Fernando
Pimentel, reprisou a presidente Dilma: já há condições de cortar os
juros, afirmou.
Na quarta-feira, enquanto o Copom se reunia, a ministra do
Planejamento, Miriam Belchior, anunciou a proposta do Orçamento para
2012 e fez coro aos seus colegas: estão criadas as condições para
baixar os juros. E apresentou um orçamento expansionista,
contraditório com o discurso de oito meses de austeridade nos gastos
públicos: as despesas do governo vão crescer 9,8%, quase o dobro da
inflação de 5% prevista no documento.
Parece haver uma incontinência verbal neste governo.