J.R. Guzzo Fecho de ouro
Política

J.R. Guzzo Fecho de ouro



"Uma pesquisa realizada algum tempo atrás
revelou que o bicho que os brasileiros achavam
mais parecido com os políticos era o rato"

Michel Temer? José Sarney? Quem são? Todo mundo deveria estar muito impressionado com os dois, pois são os novos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal; trata-se, segundo garantem os cientistas políticos, de figuras importantíssimas para o presente e o futuro do Brasil. Mas não é nem de um nem de outro que o público está falando. O grande nome do momento no Congresso Nacional é o deputado Edmar Moreira. Normalmente esse Edmar, cuja base eleitoral está no interior de Minas Gerais, não deveria chamar maior atenção – não há muito, no fundo, que o torne diferente de boa parte dos deputados e senadores brasileiros. Ele responde a inquérito no Supremo Tribunal Federal, acusado de embolsar as contribuições feitas ao INSS por funcionários de suas empresas. Não declarou, nem à Justiça Eleitoral nem ao imposto de renda, um espantoso castelo de 7 500 metros quadrados construído perto de São João Nepomuceno, em Minas, e que tenta vender por 25 milhões de reais. Está sendo processado em São Paulo, numa vara cível, pelo não pagamento de uma dívida de 1,9 milhão de reais ao Banco do Brasil; numa vara penal, é acusado de cometer crimes contra a ordem tributária. Responde a 2 000 ações trabalhistas, é suspeito de desviar verbas funcionais e retira seus salários de deputado em dinheiro vivo, na boca do caixa, o que impede a Justiça de bloqueá-los em favor dos credores. Em resumo: o deputado Edmar Moreira é um retrato perfeito do parlamentar brasileiro de hoje.

Tanto é assim que ele foi eleito segundo-vice-presidente da Mesa da Câmara, na mesma eleição que mobilizou, durante meses, os gigantes da nossa política. Foi eleito, na verdade, de caso pensado: outro traço notável na carreira do deputado, além dos listados acima, é que ele se destacou nos últimos anos como um dos campeões na defesa de colegas ameaçados de punição. Votou contra sete pedidos de cassação de deputados envolvidos no mensalão – e agora, com o seu cargo na Mesa, teria a função de corregedor, ou seja, caberia justo a ele vigiar a moralidade dos colegas. A história toda, como se sabe, acabou em lágrimas. A chave do sucesso, para políticos como Edmar, é falar pouco, fazer menos ainda e aparecer o mínimo possível; não pode ser, numa palavra, o que o povo chama de exibido. Mas o deputado resolveu anunciar que dali por diante, sendo ele o corregedor, a Câmara não iria julgar mais ninguém – e não se recomenda dizer esse tipo de coisa em voz alta.

O Congresso Nacional, de tempos em tempos, funciona por vias misteriosas; uma delas é o seu instinto para cheirar casos perdidos. Nessas horas, como se viu mais uma vez, larga os feridos sangrando na beira da estrada e segue viagem sem olhar para trás. O novo presidente da Câmara chegou a esboçar um "acordo" para o deputado ficar na vice-presidência mas não exercer a função de corregedor, um disparate que não durou mais do que algumas horas, da mesma forma como foram rapidamente a pique outras moles tentativas de salvá-lo. Já no começo da semana passada Edmar demitiu-se da corregedoria, renunciou à vice-presidência e pediu desligamento do seu partido; trata, agora, de segurar o mandato. Os mesmos deputados que tinham acabado de votar nele porque era um defensor da impunidade o abandonaram quando disse em público que continuaria agindo assim mesmo, uma vez instalado na Mesa. Seu partido, o DEM, que há anos acha tudo perfeitamente normal com Edmar, descobriu de repente que sua conduta era intolerável, e iniciou procedimentos para a sua expulsão. O líder do PT, partido que tanto ficou devendo ao deputado na época do mensalão, iniciou o episódio como um dos seus principais advogados; depois sumiu de cena e não foi mais encontrado. Um fecho de ouro, sem dúvida, para uma eleição na qual a palavra mais utilizada durante a campanha foi "traição".

Uma pesquisa realizada algum tempo atrás revelou que o bicho que os brasileiros achavam mais parecido com os políticos era o rato – um duro golpe para os ratos, animais que já têm sérios problemas de imagem junto à opinião pública e realmente não precisavam de mais essa. Não há mudanças à vista. Na semana passada o governo entregou ao Congresso sete projetos de reforma política; nenhum deles muda um milímetro nas causas que produzem espetáculos como o do deputado Edmar, ou que permitem a volta ao status de grandes estrelas do Senado, sob a presidência de José Sarney, dos portadores de alguns dos mais tenebrosos prontuários da casa. O Congresso fica apenas cada vez mais parecido consigo mesmo.




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