Com o apoio do governo, o PMDB assume o comando
da Câmara e do Senado pelos próximos dois anos
Otávio Cabral
Andre Dusek/AE |
OS COMANDANTES |
A posse do senador José Sarney na presidência do Senado e do deputado Michel Temer na presidência da Câmara é um fenômeno político que deve ser observado com a ajuda de um telescópio e avaliado com a ajuda de um retrovisor. No discurso, os dois novos chefes do Legislativo se comprometeram a implementar medidas moralizadoras para tentar resgatar a imagem dos parlamentares, debilitada por uma interminável rotina de denúncias de corrupção, fisiologismo e improdutividade. Os presidentes também falaram em trabalhar pela implantação de reformas essenciais, como a tributária e a política, que nunca conseguiram transpor a barreira da falta de interesse. As promessas e os compromissos, como era previsível, já foram colocados à prova. Como genuínas lideranças do PMDB, tão logo assumiram o cargo, Sarney e Temer começaram a ajustar as engrenagens da máquina que vão comandar nos próximos dois anos usando o método de sempre – a cooptação irrestrita por meio da distribuição de cargos e verbas. Ter condições de comando e formar maiorias é imprescindível, mas sempre é bom perguntar: maioria para que mesmo?
O PMDB é o maior partido do Brasil e uma exceção no mundo. Em qualquer democracia, os partidos elegem seus representantes em torno de um programa comum com o objetivo de chegar ao poder e, assim, implementar suas ideias. O PMDB não. Sem propostas e sem ideologia clara, o partido desenvolveu uma estratégia política segundo a qual melhor do que disputar uma eleição é vencê-la sem disputar. Dessa forma, o PMDB aposta na eleição do maior número possível de representantes no Parlamento, o que o torna um aliado poderoso e indispensável. Em outras palavras, a estratégia faz com que os governos precisem do PMDB para governar, assim como o PMDB precisa dos governos para se manter gigante. Nos últimos cinco governos, o partido esteve presente em todos. É um ciclo vicioso, que supostamente garante a estabilidade política, mas que, na verdade, conspira contra qualquer tipo de mudança. Explica o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília: "Há um conservadorismo de caráter permanente que é a principal característica da política brasileira – e o PMDB é o principal representante desse conservadorismo".
Esse conservadorismo inercial, que emperra mudanças substantivas nos métodos e nos costumes da política e dos políticos brasileiros, já existia no Império, através do Poder Moderador do imperador, atravessou a República Velha, com a política do café-com-leite, e se notabilizou com o "centrão" da Constituinte – o alinhamento de parlamentares de várias tendências e partidos que se uniram contra propostas consideradas modernizantes. Todas as ações tinham como objetivo evitar mudanças mais significativas. Hoje, cabe ao PMDB esse papel. "Os últimos dois presidentes, FHC e Lula, chegaram ao poder com discursos de mudança, mas jamais conseguiram implementá-los porque se aliaram a esse grupo e até o alimentaram", diz o cientista Murillo de Aragão. O que se espera é que desta vez Sarney e Temer, que já presidiram o Senado e a Câmara em duas oportunidades, usem sua vitória para enriquecer sua biografia dando apoio aos projetos de modernização do Legislativo, de contenção de despesas do governo e de diminuição da carga tributária que pesa sobre os ombros dos brasileiros.
Alan Marques/Folha Imagem |
Eles não ficaram sós |
Por enquanto, a "modernização" e a "transparência" são apenas boas promessas. Dos onze novos dirigentes do Senado, quatro respondem a algum processo, e um deles, Cícero Lucena (PSDB-PB), já chegou a ser preso por corrupção. Na Câmara, também são quatro processados. Entre eles o próprio Temer, contra quem existe um inquérito por crime ambiental e grilagem de terras no Supremo Tribunal Federal. O caso, porém, que mais chamou atenção foi o do novo corregedor da Câmara, Edmar Moreira, do DEM de Minas Gerais. Em seu primeiro dia no cargo, Moreira fez um afago aos colegas enrolados ao defender o fim dos processos de cassação. Para ele, deputado deve ser julgado apenas pela Justiça, pois a relação pessoal entre os parlamentares é prejudicial aos processos: "Temos o vício insanável da amizade", disse o corregedor. Moreira parece ter outros vícios. Ele é acusado de ter se apropriado de 1 milhão de reais em contribuições ao INSS feitas pelos funcionários de sua empresa de segurança. O deputado também não declarou à Receita a posse de um castelo em Minas Gerais avaliado em 25 milhões de reais, com 7 500 metros quadrados, 36 suítes e adega para 8 000 garrafas.
O mais espantoso é que a biografia e o "programa de governo" do corregedor, ao que parece, em vez de constranger seus pares, foram decisivos para sua ascensão. O deputado Vic Pires, do DEM-PA, que disputou com Edmar o cargo, defendia o fortalecimento da corregedoria. Moreira acenou com a impunidade. Numa demonstração de que os valores estão mesmo subvertidos, o DEM, partido do corregedor, assustado com a amplitude do escândalo, pediu sua renúncia imediata. Já o PT, partido que tem o DEM como adversário, tentou contemporizar. "É preciso ir devagar e separar fatos e denúncias contra o corregedor", ponderou o líder do partido, o deputado Cândido Vaccarezza. Nos tempos de pedra na mão, o petista seria capaz de fazer uma greve de fome acorrentado a uma árvore no meio da Esplanada dos Ministérios só para protestar contra a escolha do novo corregedor. Mas, quando se é telhado, a visão fica turva, e torna-se bastante aceitável que um corregedor possua um castelo, e melhor ainda se o reino dele for o da fantasia.
Fotos Leonardo Costa/D A Press e Ailton De Freitas/Ag. Globo |
A MORAL DO PRÍNCIPE |
Desde que exerceu a Presidência da República, entre 1985 e 1990, todos os presidentes do Senado foram aliados do senador José Sarney, cujos bigodes já se confundem com poder. As prometidas reformas estruturais nunca passaram de promessas nas encarnações anteriores de Sarney. Será diferente agora? Michel Temer também não se notabilizou pela energia com que deu andamento a projetos modernizadores nem pelo combate ao fisiologismo. Será diferente agora? Temer foi sucedido por Aécio Neves, cuja primeira providência foi fazer faxina na estrutura administrativa da Câmara. Aécio dizia ter encontrado muitos vícios e poucas virtudes na equipe herdada de Temer. "O que veremos nos próximos dois anos é o fortalecimento do clientelismo, como é típico do PMDB", diz o cientista político Octaciano Nogueira. Com a dupla Temer e Sarney, o partido recuperou a supremacia que não tinha desde 1992, quando comandou as duas Casas com o senador Mauro Benevides e o deputado Ibsen Pinheiro – cassado por envolvimento com os anões do Orçamento.
Hoje, o PMDB tem seis ministérios no governo Lula, ocupa centenas de cargos importantes de segundo e terceiro escalões e comanda fundações e subsidiárias de estatais, a Funasa e a Transpetro. Dos três líderes do governo no Congresso, dois são peemedebistas. O Palácio do Planalto ainda contará a partir de agora com um novo e poderoso reforço em sua equipe de sustentação política. O senador Renan Calheiros, nessa nova onda de modernidade, foi alçado à condição de líder do PMDB no Senado. Tudo isso faz do partido uma espécie de sócio majoritário do governo. Mesmo conhecendo o histórico do PMDB, inclusive enfrentando um risco real de traição, o presidente Lula empenhou-se pela sua volta ao comando do Congresso, pedindo votos para Michel Temer e fazendo vista grossa ao apoio do governo a Sarney, mesmo em detrimento do petista Tião Viana. O malabarismo se dá diante da perspectiva de início de um novo ciclo em que o PMDB promete apoio à candidatura presidencial de Dilma Rousseff em 2010. A vaga de vice na chapa da ministra já está prometida. Ganha um cargo quem adivinhar a que partido a promessa foi feita.