Quais são mesmo os porcos nesta história?
JOSÉ NÊUMANNE
O Estado de S.Paulo - 20/07/11
Antônio Palocci não era um burocrata qualquer quando a presidente
Dilma Rousseff dispôs de seu emprego na alta cúpula do governo
federal. Ele tinha sido o avalista do padrinho e ex-chefe dela Luiz
Inácio Lula da Silva no crédito de confiança que a classe média deu à
adesão do Partido dos Trabalhadores (PT) ao rigor fiscal e à
estabilidade da moeda. Isso o credenciou a se tornar o todo-poderoso
ministro da Fazenda do primeiro governo do patriarca. E foi com essa
missão que também costurou o apoio da burguesia nacional à candidatura
de Dilma à sucessão presidencial, reunindo cacife para coordenar a
equipe de transição e ocupar a chefia da Casa Civil.
Tampouco o sanitarista de Ribeirão Preto era um "ficha-limpa" quando,
empossada na Presidência, Dilma recorreu ao seu talento de
articulador. Pois Sua Excelência já havia caído do alto, envolvido num
escândalo - a frequência habitual de uma mansão suspeita - e numa
violência contra a cidadania: a violação do sigilo bancário do caseiro
Francenildo Santos Costa. A revelação pela Folha de S.Paulo da posse
de um apartamento de R$ 6,6 milhões e da multiplicação por 20 do
patrimônio acumulado como "consultor" enquanto ocupava uma modesta e
quase anônima carreira na Câmara dos Deputados indicava uma óbvia
reincidência. E pela segunda vez o condestável desabou do topo.
Na chefia da Casa Civil, para a qual nomeou Palocci, Dilma havia
substituído José Dirceu, acusado de chefiar uma quadrilha em processo
que tramita nos escaninhos do Supremo Tribunal Federal (STF). No posto
conviveu - segundo consta, às turras - com o então ministro dos
Transportes, Alfredo Nascimento, senhor do castelo do Partido da
República (PR), da base de apoio parlamentar do governo. Em nome da
"governabilidade", ela lhe devolveu o posto e foi levada a dele
afastá-lo depois de o referido ter protagonizado caso de corrupção
denunciado pela revista Veja. E nas páginas desse semanário o
diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transportes (Dnit), José Luiz Pagot, mereceu idêntico tratamento.
Antes de ser demitido, como chegou a ser anunciado, contudo, Pagot
tirou férias, das quais se afastou para elogiar no Congresso o zelo da
comandante e o comportamento de seu futuro chefe, na esperança de ter
a boquinha de volta.
Voltará? É aí que está o busílis. Dilma jura que não. Mas Paulo Sérgio
Passos garante que nada há que pese contra o retorno do antigo
companheiro de cúpula no Ministério dos Transportes. O benefício da
dúvida pode favorecer Dilma quanto à atuação de todos esses senhores
ao longo do mandato de Lula, em que chefiou a Casa Civil com fama de
"gerentona" dura e de trato pessoal pouco delicado. Dela, porém, não
se noticiou nenhuma reação pública contra a conduta dos dois
ministros, o que saiu e o que o substituiu. Se se furtou no Ministério
dos Transportes, é de imaginar que ela confiasse que Alfredo não sabia
e Paulo, muito menos. Se ela soubesse, como justificar que os nomeasse
para o primeiro escalão do governo ao qual foi içada pela maioria dos
eleitores?
A guilhotina continuou - e, ao que parece, continuará - funcionando no
prédio que os aliados do PR ocupam na Esplanada dos Ministérios. Rolou
a cabeça de José Henrique Sadok de Sá, que ostentava duas coroas: de
diretor executivo e diretor-geral interino nas "férias" de Pagot. Sá
foi denunciado por favorecimento a uma empresa da mulher pelos
repórteres deste Estado. No rastro sangrento dessa execução, já foram
previamente anunciadas as demissões do petista Hideraldo Caron, também
do Dnit, e de Felipe Sanches, presidente interino da empresa estatal
suspeita de figurar no lamaçal, a Valec - Engenharia, Construções e
Engenharia S. A.
No ostensivo loteamento político realizado pelo governo federal,
Palocci e Nascimento, os expoentes dos denunciados que caíram em
desgraça sob Dilma, têm em comum a proteção do paraninfo dela, seu
antecessor Lula. Este chegou a se deslocar, sem ser chamado, de seu
retiro em São Bernardo do Campo para o Planalto Central para tentar
resgatar o então chefe da Casa Civil. Em vão! O malogro no intento não
o impediu, contudo, de deitar falação contra o que ele e os soldados
dos blogs financiados de alguma forma pelo governo e pelo PT chamam de
"Partido da Imprensa Golpista" (PIG, em inglês porco). Na troca de
presidentes da União Nacional dos Estudantes (UNE) em congresso
bancado por empresas públicas, o ex disse que os grandes jornais de
São Paulo nem chegam ao ABC e que a população sabe que não precisa
mais de "intermediários" para ter acesso à informação.
Por causa da enxúndia de notícias disponíveis, talvez ele tenha alguma
razão. O afastamento de alguns de seus amiguinhos mais chegados da
cúpula federal, contudo, demonstrou que sua sucessora tem precisado -
e muito - dos meios de comunicação para saber o que alguns de seus
subordinados fazem "debaixo dos panos", lembrando aquele sucesso
junino de Antônio Barros e Cecéu. A exemplo das cobaias de Pavlov que
salivavam ao toque de sinetas, a presidente tem demitido regularmente
todos os auxiliares cujas atividades heterodoxas vêm sendo reveladas
por órgãos de comunicação. Até agora nenhum denunciado escapou da
degola. E até agora ninguém foi degolado antes de vir a ser denunciado
no noticiário.
Noves fora a mágoa de Lula por estar perdendo poder no governo da
protegida, o que ele omitiu na meia-verdade aplaudida por um público
cuja simpatia foi patrocinada revela uma trágica e perigosa distorção
da democracia brasileira atual: o Poder Executivo não dispõe de
informações para sanear a máquina pública. Ou, se dispõe, não tem
como, ou não quer, fazer a faxina que tais informações preceituam.
Dilmla age sob pressão da opinião pública, que, à falta de uma
oposição de respeito, só conta mesmo é com a liberdade de informação e
opinião como aliada.