O endurecimento das regras para a concessão de alguns benefícios trabalhistas e previdenciários foi recebido com as reações esperadas. Faz parte do jogo político que as oposições se oponham ao que propõe o governo do turno, ainda que as medidas oficiais se apropriem de propostas oposicionistas e os telhados, dos dois lados, sejam de vidro. Supondo correta a definição, o que não é tão simples assim de definir, "estelionato eleitoral" — a acusação da oposição às primeiras medidas de restrição a benefícios sociais do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff — é o que não falta à prática dos que se elegem no Brasil desde pelo menos a redemocratização.
Não é que o debate, nesses termos políticos, seja desimportante ou meramente oportunista. Ele pode ter a capacidade de constranger o governo e, assim, contribuir para evitar a adoção de medidas, no caso extremo, predatórias de direitos anteriormente estabelecidos. As barreiras oposicionistas podem operar como uma garantia institucional e civilizatória, levando a soluções de compromisso, mais moderadas e responsáveis. O risco é que a necessária limitação do poder incumbente se transforme em tentativa de bloqueio da adoção de regras mais modernas e socialmente mais justas de acesso a benefícios.
As alterações finalmente agora propostas, que visam a dificultar novas concessões do seguro-desemprego, da pensão por morte e do auxílio-doença, atingem um grupo de benefícios que já deveria ter sido modificado há muito tempo. A meritória intenção de amparar o trabalhador desandou em estímulos não só a distorções trabalhistas e previdenciárias, mas também a fraudes. Não se trata, portanto, de restringir direitos — até porque as regras passam a valer só para os futuros habilitados —, mas de garantir os benefícios aos que efetivamente necessitam do amparo.
Seguro-desemprego e pensão por morte são ícones da complacência brasileira nas regras de concessão, com repercussões não só econômicas e sociais, mas inclusive morais. A regra atual da pensão por morte — basta que o cidadão contribua com uma única parcela para que seu viúvo ou viúva, sem exigência de tempo mínimo para a união, qualquer que seja a idade do beneficiário, mesmo jovem e sem filhos menores, adquira o direito a uma pensão vitalícia no teto do benefício — é um exemplo eloquente. Para o seguro-desemprego, basta ter trabalhado por seis meses para se habilitar, sem outras carências e limites de acesso, ao benefício de até dois salários mínimos por no mínimo quatro meses.
No caso da pensão por morte, a regra vigente configura um exagero incompatível com o sistema de repartição da Previdência — na teoria, todos contribuem para a formação de um fundo, distribuído a partir de critérios que levam em conta o tempo e o nível de contribuição individual. Quanto ao seguro-desemprego, a facilidade de se candidatar ao benefício, assegurado pelas contribuições das empresas ao PIS-Pasep, acumuladas no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), intensifica ainda mais a já excessivamente alta rotatividade no trabalho, parte relevante do conjunto de obstáculos à qualificação da mão de obra. Como estão estruturados, ambos estimulam esquemas fraudulentos e aspiram em conjunto recursos públicos anuais da ordem de R$ 100 bilhões, equivalentes a 2% do PIB.
Corrigir esse tipo de distorção é, sem dúvida, uma necessidade premente, que a sociedade tem hesitado em enfrentar. Mas isso não deve se confundir com políticas estritamente fiscais, que deleguem a proteção social da população aos baixos dos viadutos e aos bancos das praças e jardins.
José Paulo Kupfer é jornalista
Leia todas as colunas...