Para o maior partido da oposição, perder-se em disputas internas seria
apequenar-se. Saímos das urnas com quase 44 milhões de votos, vencendo
a eleição presidencial em 11 estados. O PSDB fez oito governadores; o
DEM, dois, e tivemos ainda o apoio do governador de Mato Grosso do
Sul. Aqueles que votaram em nós queriam que ganhássemos, mas sabiam
que podíamos perder. A oposição, portanto, é tão legítima quanto o
governo; ela também expressa a vontade do eleitor e tem um mandato.
Não podemos deixar o eleitorado que nos apoiou sem representação. É
ele, inicialmente, que precisa receber uma resposta e convencer-se de
que não jogou seu voto fora. Até porque as ditaduras também têm
governos, mas só as democracias contam com quem possa vigiá-los,
fiscalizá-los, em nome do eleitor. Por isso a oposição tem de ter
posições claras, ser ativa, sem se omitir nem se amedrontar. Uma
eleição presidencial não é uma corrida de curta duração, de 45 dias,
mas uma maratona de quatro anos. E ninguém corre parado.
Até quem votou no PT conta conosco para que ofereçamos alternativas,
para que possamos aprimorar propostas do governo e denunciar, quando é
(e como está sendo) o caso, a falta de rumo. Não se trata de fazer
oposição sistemática ou não sistemática, bondosa ou exigente. Isso é
bobagem! Essa questão não se coloca em nenhuma grande democracia do
mundo. A oposição tem o direito e o dever de expressar seus pontos de
vista e de batalhar por eles. É seu papel cobrar coerência, eficiência
e honestidade.
A realidade está aí. O grave problema fiscal brasileiro veio à luz,
herança do governo Lula-Dilma para o governo Dilma. A maquiagem nas
contas não consegue escondê-lo. A Fundação Nacional de Saúde (Funasa)
se transformou no retrato perverso do aparelhamento do Estado, que não
se vexa nem diante da realidade dramática da saúde - ou falta dela -
dos pobres. O mesmo acontece em Furnas, palco de escândalos há muitos
anos, expressão do loteamento do setor elétrico, onde os blecautes têm
sido a regra, não a exceção. Se a oposição não se fizer presente
agora, então quando?
Fazer oposição por quê? Porque o país experimenta um óbvio
desequilíbrio macroeconômico, que reúne inflação alta e em alta, juros
estratosféricos, câmbio desajustado, vertiginoso déficit do balanço de
pagamentos e infraestrutura em colapso. As trapalhadas do Enem mostram
que o PT tripudia sobre a esperança e o futuro dos jovens. A imperícia
do governo na prevenção de catástrofes e socorro às vítimas não requer
comprovação. Por que fazer oposição? Porque os brasileiros merecem um
governo melhor e pagam caro por isso - uma das maiores cargas
tributárias do mundo, sem serviços públicos à altura. Temos o direito
de nos apequenar com picuinhas? Foi para isso que recebemos um mandato
das urnas?
O governo vem fazendo acenos à classe média e às oposições. Conta com
o conhecido bom-mocismo dos adversários, tucanos à frente. Sua
intenção é lhes tirar nitidez e personalidade, dividi-los e
subtrair-lhes energia e disposição. Até a próxima disputa eleitoral,
quando, então, voltaremos a enfrentar os métodos de sempre: vale-tudo,
enganações, bravatas e calúnias. Cair nesse truque corresponde a trair
a confiança dos que votaram em nós e os interesses do nosso povo e do
país.
O PSDB não sabe fazer oposição! Tanto em 2006 como em 2010, pesquisas
internas apontaram ser essa uma das críticas que o eleitorado nos faz.
Ainda que fosse injusta, seria forçoso reconhecer que nos tem faltado
nitidez. É razoável que o eleitor considere que não sabe governar quem
não sabe se opor.
E nós temos os bons fundamentos! A quem pertence a bandeira da
social-democracia no Brasil? O PT, fundado como um partido classista,
sob a inspiração de partidos leninistas, varreu estatuto e ideário
para baixo do tapete ao chegar ao poder e adotou como suas a
plataforma e as ideias do adversário. Mas, longe de estar resolvida,
após seis eleições presidenciais, sendo três vitoriosas, e dois
governos depois, a contradição entre os "pragmáticos do mercado" e os
"puros-sangues de Lenin" ainda é um dos flancos do PT não devidamente
explorados pela oposição, para prejuízo do país.
O PT adotou as bandeiras, mas perverteu sua prática. Privatizou as
ações do Estado em benefício do partido e aliados. Banalizou o que a
vida pública brasileira tinha de pior. Rebaixou a Saúde e a Educação.
Transformou em instrumento eleitoral a rede de proteção social herdada
do governo FHC. Virou as costas para a Segurança e descuidou-se da
Previdência. A falsa "social-democracia" petista preside um processo
de desindustrialização do Brasil e mantém como principal despesa do
orçamento o pagamento de R$180 bilhões anuais em serviço da dívida
pública interna. Sem mencionar erros infantis, como o de reconhecer a
China como economia de mercado, enfraquecendo nossos mecanismos de
defesa comercial. Que social-democracia é essa, que pôs a perder o
ativismo governamental nas coisas essenciais, que caracteriza o Estado
do Bem-Estar Social e seus alicerces?
Essa retomada dos valores da social-democracia, com seu respeito ao
jogo democrático e sua prioridade à garantia de condições dignas de
vida à população, há de tirar do PSDB o falso carimbo de partido da
elite e marcar diferença com o PT, com suas práticas sectárias e/ou
ineptas.
Para tanto, é fundamental ao PSDB fortalecer a unidade interna, dando
uma resposta àqueles que nos delegaram um mandato por meio das urnas.
Estou, como sempre, a serviço da população. Ajudei a definir as
bandeiras históricas do meu partido e sua renovação. Por elas e pela
unidade, batalhei sempre. Ninguém andará em má companhia seguindo os
Dez Mandamentos. Para quem está na política, sugiro um 11º, este de
inspiração humana, não divina: "Não ajudarás o adversário atacando teu
colega de partido."
JOSÉ SERRA foi deputado, senador, prefeito e governador de São Paulo.
O Globo - 10/02/2011