Política
Juros não salvam Miriam Leitão
O GLOBO
A queda dos juros não faz milagres. Faz parte da solução, mas não vai nos tirar do buraco onde entramos. Ela reduz o gasto do governo; tem algum impacto na estrutura dos juros bancários; afeta as expectativas. A queda de 1,5 ponto percentual decepcionou alguns, mas se eles caíssem mais, por imposição do governo, os juros de mercado subiriam. O efeito seria o oposto.
Uma taxa de juros de 11,25% ao ano continua sendo alta. Havia muitas previsões no mercado de que a queda poderia ser de até 2 pontos percentuais. O IPCA divulgado ontem foi alto, de 0,55%, mas 60% do índice foi a alta sazonal dos preços de educação e material escolar. Para o mês que vem, o economista Luiz Roberto Cunha prevê uma volta aos níveis de 0,15% a 0,20%. Hoje, a inflação em 12 meses está alta, perto de 6%, mas ele prevê que até junho o índice deve convergir para o centro da meta.
Criticar o Banco Central, ter outra visão, avaliar de forma diferente o que ele pensa, todo mundo faz. O que seria um desastre, com efeitos opostos ao desejado, seria uma intervenção política no BC para decidir a taxa de juros.
Neste sentido, a declaração do senador Sérgio Guerra, presidente do PSDB, feita na véspera da decisão, foi espantosamente inepta. Mostra que os tucanos não entenderam seu próprio governo. O senador oposicionista disse que como o Banco Central não é independente, o presidente Lula é que deveria baixar os juros. Ora, a autonomia do BC, iniciada no governo tucano, é parte do remédio, e não da doença. A taxa de juros que vale para uma grande parte da economia é decidida pelo mercado privado. Se ficasse claro que a Selic é decidida politicamente, os juros subiriam na prática.
- Esse é um ponto importante. Se os juros forem politizados, o mercado vai concluir que a inflação subirá no futuro, o prêmio de risco sobe e isso impacta os juros futuros. E são os juros futuros que fazem efeito na economia, e efeito imediato - explica o economista chefe da Febraban, Rubens Sardemberg.
O mercado de juros futuros já tinha derrubado a taxa, mesmo antes de o Banco Central reduzir a Selic. O alívio, portanto, já estava fazendo efeito na economia. É o que explica também o economista Fábio Giambiagi, especialista em contas públicas.
- Os juros já despencaram, porque a percepção é que o Banco Central será levado, pelas circunstâncias econômicas, a um ciclo mais longo de taxas de juros. No mercado secundário, em outubro, as taxas eram de 15% para uma selic de 13,7%. Em fevereiro, antes do corte da Selic, já estavam em 11%. Em outubro, o leilão de NTN-F para vencer em 2017 pagou 18,3%, e no último leilão, agora em março, a taxa caiu para 12,9%.
Se houver a percepção, explica Fábio, de que não é o Banco Central que decide os juros, aumenta o temor de que haja inflação, descontrole da conta corrente, e essas expectativas fazem com que os juros futuros subam.
Tudo é mais complicado do que parece, e Rubens Sardemberg resume:
- O Banco Central controla muita coisa, mas não controla tudo.
Fábio Giambiagi explica que o próprio impacto da queda dos juros na redução do custo da dívida é mais complexo do que parece, porque parte da dívida é formada por títulos prefixados ou indexados a índices de preços.
Há outras complicações no mercado de crédito brasileiro. Parte das empresas tem vantagens determinadas pelo governo e pagam juros subsidiados. É o crédito direcionado. Os bancos são obrigados a emprestar a juros menores para o setor rural. Tentam fugir dessas exigências, que recaem mais sobre os bancos públicos. Quando alguma coisa acontece de errado na economia, os produtores pedem rolagem da dívida. O risco do não pagamento desses empréstimos e a obrigação de oferecer a taxas menores recaem sobre os tomadores do mercado livre. O chamado mercado livre tem 45% do total do crédito no Brasil.
Grandes empresas são tomadoras de crédito diretamente do BNDES e pagam apenas a TJLP, de 6,25% ao ano. É o BNDES direto. Empresas menores têm que ir aos agentes repassadores, e pagam essa TJLP mais um spread de 4%. O crédito ao consumidor tem as mais diversas faixas de preços. O consignado com taxas menores; o das financeiras com taxas altíssimas.
Por ter tido juros sempre muito altos, o mercado de crédito no Brasil foi criando esses atalhos de juros mais baixos para grupos específicos: as grandes empresas, os produtores rurais, os funcionários públicos e aposentados. Continua tendo o dinheiro mais caro do mundo, mas o preço varia de acordo com o freguês: de juros negativos a preços de agiota. Uma redução da taxa Selic, por maior que seja, não corrige essa confusão.
Comparada com o resto do mundo, a taxa básica de juros em 11,25% é muito alta; comparada com nossa história, é até baixa; confrontada com a queda forte do nível de atividade, parece um exagero. Mas se os juros caíssem mais drasticamente, não trariam de volta o ritmo de crescimento perdido. Será preciso mais do que derrubar os juros. As taxas vão continuar caindo nas próximas reuniões.
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