OS ANALISTAS já têm indicações suficientes para entender que a gestão
da economia brasileira vai mudar no governo Dilma. São declarações
diárias de membros importantes do governo -inclusive da própria
presidente- defendendo novos valores e ideias sobre como deve ser
conduzida a política econômica no Brasil. Depois de mais de 16 anos de
uma estabilidade de agenda, essa não é uma mudança simples, e os
riscos -vistos de hoje- me parecem elevados.
Uma primeira observação precisa ser feita antes de avaliar esse novo
rumo do governo: nos últimos 16 anos, a economia brasileira -e o resto
do mundo também- mudou muito. Por isso, em principio, não se pode a
priori ser contra mudanças propostas pelo governo Dilma. Além disso,
as crises que o chamado capitalismo viveu nos últimos anos colocaram
em xeque a visão mais ortodoxa de uma economia de mercado.
Por isso, não admitir correções de rumo na política econômica é uma
posição retrógrada, burra e que precisa ser questionada.
Mas nessa busca por uma economia de mercado mais eficiente no Brasil
-no fundo é disso que estamos tratando nos debates recentes- não
podemos deixar de lado lições que permanecem válidas, mesmo com o
passar dos tempos. Para mim, uma das mais importantes dessas é a
chamada curva de Phillips, que relaciona o desemprego e a inflação.
Desenvolvida ainda nos anos 60 do século passado, ela mostra que, a
partir de certo nível de desemprego, a inflação passa a crescer de
forma não linear quando submetida a choques -internos e externos- de
preços.
O auge da fama da curva de Phillips ocorreu nas décadas seguintes à
sua formulação por uma razão que poucos analistas entenderam: a força
do movimento sindical à época e sua capacidade de manter o valor real
dos salários via aumentos nominais indexados à inflação passada. Com o
posterior enfraquecimento dos sindicatos nas principais economias do
mundo e um aumento da eficiência das ações dos bancos centrais, a
curva de Phillips entrou em declínio.
Mas ela voltou agora com toda a sua força original -embora ainda pouco
percebida inclusive pelos economistas liberais mais radicais- no
Brasil da presidente Dilma. Como a história nunca se repete
integralmente, os efeitos de uma taxa de desemprego muito baixa sobre
a dinâmica de aumento de preços no Brasil estão mitigados hoje pela
combinação de uma moeda forte e um fluxo muito grande de importações.
Mas, se olharmos apenas para os setores que não sofrem os efeitos das
importações, a velha curva de Phillips se mostra em todo seu vigor.
Como a maioria dos analistas mais ortodoxos tem uma dificuldade imensa
de considerar o mercado de trabalho em suas análises, a preocupação
com ele fica restrita a economistas que têm uma forte influencia da
metodologia keynesiana ao olhar para os problemas econômicos. Por
outro lado, o pensamento dominante nas lideranças petistas considera
os índices de desemprego baixo um dos êxitos mais marcantes de seu
período no governo federal.
Eufóricos e cegos, não acreditam na curva de Phillips porque a vêm
como um instrumento agressivo da burguesia contra a classe
trabalhadora. Bem ao estilo petista de reagir a críticas.
Uma prova do descaso das autoridades do governo Dilma para com esse
problema é a euforia de seu ministro do Trabalho ao anunciar
recentemente que ele garante uma criação de mais de 3 milhões de novos
postos de trabalho em 2011. Certamente o sr. Lupi não tem a menor
ideia do que o economista neozelandês da London School of Economics
mostrou meio século atrás e, se o soubesse, usaria expressões de
Leonel Brizola, fundador de seu partido, para desqualificá-lo.
Outros economistas depois de Phillips aprofundaram suas conclusões e
mostraram com mais profundidade os riscos para a inflação de taxas de
desemprego muito baixas em um ambiente de forte demanda. O Brasil será
nos próximos meses um terreno fértil para verificar quem tem razão
nessa questão.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 68, engenheiro e economista, é
economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).