"Uma coisa é certa: a necessidade de uma nova
regulação financeira – e não o retorno ao ambiente
keynesiano pré-Thatcher e Reagan"
Ainda estamos distantes das eleições de 2010, mas já é hora de pensar em programas de governo. Os candidatos que vão estar no páreo precisam preparar-se para entender as transformações em curso na arena global e o que fazer para aproveitar as oportunidades que se abrem para o Brasil.
Os programas não podem guiar-se por visões ideológicas, palpites inconsequentes ou explicações equivocadas sobre a atual crise. Tampouco é possível ver este momento como uma mera mudança do pêndulo, que se moveria rumo à intervenção estatal de outros tempos.
A crise não nasceu da desregulação, nem do governo Bush (que merece sua impopularidade por outros motivos), nem do fim de uma era. Não foi provocada pelo Consenso de Washington, por causas mais remotas e menos ainda pelas políticas liberais iniciadas nos governos de Margaret Thatcher (Inglaterra) e Ronald Reagan (Estados Unidos).
Começam a sair estudos abalizados sobre as mudanças globais e sobre a crise, incluindo suas causas e os prováveis novos rumos. Nenhum se baseia nessas opiniões. No campo das mudanças, os estudos mostram que vivemos um movimento tectônico semelhante a dois outros: a ascensão do mundo ocidental (a partir do século XV) e dos Estados Unidos (fim do século XIX).
A nova mudança é chamada de "a ascensão do resto" por Fareed Zakaria, editor da Newsweek International, no livro O Mundo Pós-Americano. Ele não profetiza o declínio americano. Ao contrário, prevê que ainda haverá uma única superpotência político-militar. Mas, nas outras dimensões, a distribuição de poder cria um mundo que será "definido e dirigido a partir de muitos lugares e por muita gente".
Dois outros argutos observadores também identificam uma nova realidade, que se caracteriza pela entrada em cena de atores que passaram a influenciar a economia, as finanças e o comércio mundiais. São os países emergentes – Brasil, China, Coreia do Sul, Índia, Rússia e outros –, que já representam quase a metade da economia mundial (medida pela paridade do poder de compra de suas moedas).
Martin Wolf, do Financial Times, examina as transformações no livro Fixing Global Finance. Em vez da tese fácil da desregulação para explicar a crise, ele assinala o novo padrão em que os países emergentes se tornaram exportadores de poupança e os Estados Unidos, "tomadores de empréstimos de última instância". Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve, já aludira em 2005 a esse fenômeno, que chamou de "fartura de poupança". A resultante expansão da liquidez está na raiz da turbulência.
Para Mohamed El-Erian, ex-administrador do gigantesco patrimônio da Universidade Harvard, a explicação está na transformação secular da economia mundial. Em seu livro Mercados em Colisão, ele identifica fatores estruturais responsáveis pela mudança, entre os quais a acumulação de riqueza financeira por países (como o Brasil) que estavam mais acostumados a ser devedores do que credores e investidores.
Comum nas três análises é a percepção de que não se pode ver o mundo apenas pelo que acontece nos Estados Unidos, na Europa e no Japão. É necessário entender o que se passa nos países emergentes e sua decisiva participação nas relações econômicas e financeiras. Estratégias globais precisam levar isso em conta. A governança mundial demanda instituições e visões renovadas.
Haverá riscos no caminho para o novo destino da economia mundial. Uma coisa é certa: a necessidade de uma nova regulação financeira – e não o retorno ao ambiente keynesiano pré-Thatcher e Reagan. Outra é mais certa ainda: a crise vai passar. O mundo será melhor.
Nós, brasileiros, precisamos saber trilhar esse caminho. Há que trabalhar duro, abandonar o "desenvolvimentismo" ingênuo e abandonar os cacoetes mentais que nos prendem ao passado. Necessitamos de reformas para avançar na educação, melhorar o ambiente de negócios, impulsionar o crédito e o mercado de capitais e estimular o avanço científico e tecnológico.
O Brasil adquiriu importância sistêmica. O próximo presidente precisa entender o novo ambiente e preparar-se para liderar as mudanças necessárias. Estudos como esses podem ajudar.