Quando convocou o referendo de 2 de dezembro, para aprovar a Constituição bolivariana que lhe daria a presidência vitalícia, o caudilho Hugo Chávez acreditava que era imbatível nas urnas. Mas a maioria dos venezuelanos decidiu não dar mais poderes ao coronel golpista e rejeitou por expressiva maioria a Constituição liberticida. Agora, faltando pouco mais de um mês para as eleições para governadores e prefeitos, Chávez mostra que aprendeu a lição. Como do resultado do pleito depende o êxito do seu projeto de se perpetuar no poder e ampliar ainda mais os seus já amplos poderes ditatoriais, não está deixando nada ao acaso. Como eleições podem ser perdidas, por que depender do resultado das urnas?
A primeira providência foi afastar da disputa eleitoral o maior número possível de adversários. Para isso, a Controladoria-Geral da República declarou inelegíveis 238 políticos de oposição, sob as mais variadas alegações. Essa decisão foi referendada pelo Supremo Tribunal de Justiça. Depois disso, a polícia secreta de Chávez "descobriu" que o general Raúl Isaías Baduel, ex-comandante do Exército bolivariano, tramava um complô para a deposição do caudilho. Baduel, que durante quase uma década apoiou Chávez e desde o final do ano passado estava na oposição, foi preso e responde a processo por tentativa de magnicídio. Em várias cidades, políticos e jornalistas independentes têm sido fisicamente agredidos por grupos das milícias bolivarianas. Além disso, há dias Hugo Chávez anunciou, em seu programa de rádio e televisão semanal, que os governadores e prefeitos de oposição, eleitos no dia 26, não receberão um tostão dos recursos federais que a lei determina que sejam transferidos para os entes subnacionais.
Mas tudo isso era pouco. Na semana passada, a Assembléia Nacional - que é inteiramente subserviente a Chávez, assim como o Supremo Tribunal de Justiça - aprovou em primeiro turno um decreto-lei que permite que o presidente da República governe de fato, por intermédio de prepostos, Estados e municípios, passando por cima da competência legal das autoridades eleitas.
O decreto-lei é uma aberração jurídica que derroga direitos e prerrogativas consagrados na Constituição em vigor - que o próprio Chávez escreveu pouco depois de assumir a presidência, há quase dez anos. O documento fazia parte do "pacotaço" de decretos-leis, baixados sob a vigência da Lei Habilitante, pela qual o Legislativo subserviente transferiu temporariamente para o caudilho o poder de legislar. Vinte e seis decretos-leis reproduziam dispositivos da Constituição bolivariana rejeitada em dezembro, que violavam direitos individuais, políticos e de propriedade. O vigésimo sétimo era apenas uma ementa - "Lei Orgânica para a Ordenação e a Gestão do Território" -, com a explicação de que o governo divulgaria oportunamente o seu conteúdo.
Pois Chávez e seus asseclas se esmeraram em produzir um texto que torna irrelevantes, para efeitos políticos e administrativos, as eleições do dia 26. O Decreto-Lei nº 27 dá ao caudilho poderes de "autoridade suprema" - ou seja, não tem de dar satisfações de seus atos à Assembléia e ao Judiciário - para conduzir a política de "construção do espaço geográfico socialista". Ele pode definir "regiões funcionais", que englobem um ou mais Estados, ou municípios, ou distritos, que serão administradas por "autoridades regionais", cujas decisões deverão ser compulsoriamente acatadas e implementadas pelos governadores e prefeitos eleitos.
Mas o decreto-lei não se limita a transformar prefeitos e governadores em marionetes do poder central. Ele também consagra um rígido esquema de limitações ao direito de propriedade, a pretexto de organizar o território de acordo com o modelo de desenvolvimento ditado pelo Estado. Em miúdos, isso significa o fim da iniciativa privada, subordinando-se os investimentos e empreendimentos particulares à vontade do ditador.
Consumando-se essa barbaridade, o que será inevitável, dado o grau de submissão da Assembléia Nacional, Hugo Chávez será o mais poderoso ditador que a Venezuela já teve - e ela teve muitos, entre eles Juan Vicente Gómez, que governou o país como se fosse sua fazenda de 1908 a 1935. Chávez não deixa por menos. No dia 5, num comício, declarou que ficará no poder até 2021 e, se possível, mais tempo. E ainda há quem considere a Venezuela bolivariana uma democracia.
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