Maria Inês Nassif: Serra chega aos pobres pelo medo
Política

Maria Inês Nassif: Serra chega aos pobres pelo medo


Viomundo.

O voto do pecado e o poder satânico

Maria Inês Nassif, no Valor, em 07.10.2010
A campanha religiosa contra a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, estava em andamento e foi subestimada pelo comitê petista. O staff serrista prestou mais atenção nisso. No dia 14 de setembro, a mulher de José Serra, Mônica Serra, em campanha para o marido no município de Nova Iguaçu, no Rio, falou a um eleitor evangélico, para convencê-lo a não votar em Dilma: “Ela é a favor de matar criancinhas”, disse, segundo relato do jornal “O Estado de S. Paulo”. Mônica quis dizer, usando cores muito, muito fortes, que Dilma era a favor do aborto, e portanto não merecia o voto de um evangélico. Não deve ter sido da cabeça dela – falou porque as pesquisas qualitativas do PSDB já deviam mostrar que a onda “antiabortista” estava pegando, embalada por bispos e padres da Igreja Católica e pastores evangélicos.
Da parte da ala conservadora da Igreja Católica, a articulação foi feita com alarde, de forma a induzir os fiéis de que a recomendação de não votar em Dilma, ou em qualquer outro candidato do PT, veio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A CNBB reagiu timidamente a essa ofensiva, com uma carta que foi também instrumentalizada pelos conservadores, que hoje não são poucos. “Falam em nome da CNBB somente a Assembleia Geral, o Conselho Permanente e a Presidência”, diz a nota, para em seguida lembrar que o documento oficial sobre as eleições, tirado na 48ª Assembleia Geral, foi a “Declaração sobre o Momento Político Nacional”, que não faz referência direta a candidatos ou partidos. Um trecho da carta oficial, todavia, foi apresentado aos fiéis paulistanos como prova de que a Igreja, como instituição, vetava o voto aos petistas. “(…) incentivamos a todos que participem (…), procurando eleger pessoas comprometidas com o respeito incondicional à vida, à família, à liberdade religiosa e à dignidade humana”.
A campanha da Igreja conservadora contra Dilma está usando um sofisma: o “respeito incondicional à vida” torna a igreja antiabortista; o PT defendeu o aborto; logo, o voto em Dilma é pecado. É esse sofisma que foi colocado aos padres de São Paulo pela Regional Sul 1 da CNBB como uma ordem. A secção da CNBB no Estado está impondo a campanha política nas igrejas como obrigação de hierarquia: há uma determinação para que os padres falem na homilia que o voto ao PT é pecado. Os padres estão obrigados também a distribuir jornais de suas dioceses na porta das igrejas, que não raro colocam o veto ao voto no PT como uma determinação da “CNBB”, sem especificar que é da CNBB da Regional Sul 1.
Com ajuda da Igreja, Serra chega aos pobres via medo
Guarulhos é o grande foco, mas não o único. O bispo Luiz Gonzaga Bergonzini declara publicamente “ódio ao PT”. Sua diocese foi uma das formuladoras, na Comissão da Vida da Região Sul, do documento que deu “subsídios” para o manifesto anti-PT que está sendo distribuído nas paróquias como posição oficial da Igreja Católica. Um padre de Guarulhos conta que Dom Luiz Gonzaga vai se aposentar em sete meses, e tem aproveitado seus últimos momentos como bispo para militar ativamente contra o partido de Lula. Para isso, tem usado seu poder de “mordaça” – a autoridade máxima da paróquia é a diocese, e o bispo pode impor suspensões a padres que não seguirem as suas ordens, ou criticarem publicamente suas posições.
Segundo uma senhora que é católica militante, bem longe de Guarulhos, no bairro de Campo Limpo, os bispos levaram ao pé da letra a orientação da regional da CNBB. A senhora ouviu do padre da sua paróquia, durante a pregação do sermão, que os católicos que votassem em Dilma Rousseff deveriam se confessar depois, porque teriam cometido um pecado. Preferiu o discurso da corrupção ao discurso so aborto. E garantiu que recomendava o voto contra o PT por ordem do bispo.
O vereador Chico Macena (PT), da capital paulista, que é ligadíssimo à Igreja, conta que várias paróquias da região de São Lucas falaram contra o PT na homilia. Ele acredita que esse movimento da igreja conservadora paulista influenciou o voto contra Dilma em algumas regiões.
Na campanha de Dilma, soou o alarme apenas na semana anterior às eleições. Foi quando a candidata se reuniu com líderes religiosos e garantiu a eles que não havia defendido o aborto.
A guerra religiosa não se limitou a sermões de padres ou pregações de pastores evangélicos. Espalhou-se como um rastilho pela internet uma “denúncia” de envolvimento do candidato a vice de Dilma, o deputado Michel Temer (SP), com o “satanismo”. O site Hospital da Alma, ligado à Associação dos Blogueiros Evangélicos, diz que Dilma, se vencer a disputa, morrerá por obra de Satã, para que o sacerdote Temer assuma a Presidência.
As versões religiosas sobre a candidatura governista são inventivas e, no conjunto, ajudam a formar um clima de pânico que, em algum momento, pode resultar numa explosão em que a racionalidade da escolha do candidato ao segundo turno escorra pelo ralo.
Não deixa de ser irônico. A Igreja progressista esteve na base da formação do PT, embora limitada a regras da não militância política dentro das paróquias. Teve um papel fundamental em São Paulo. É aqui no Estado, que deu uma guinada conservadora durante e após os governos de Fernando Henrique Cardoso, que a Igreja Católica tem imposto os maiores prejuízos à candidata petista. Dois papados conservadores reduziram os progressistas católicos de São Paulo a um rebanho desorganizado e destituído de poder na hierarquia da Igreja.
A outra ironia da história é que, no momento em que perdem significativamente a força os chefes de política locais, em função dos programas de transferência de renda do governo, e o PT passa a ser o interlocutor preferencial junto aos pobres, os seus adversários tenham arrumado um “atalho” para chegar a esse eleitor humilde, via o temor religioso. O voto colocado como “pecado”, e a eleição como obra de um “poder satânico”, recolocam o eleitorado mais pobre e menos escolarizado nas mãos de líderes conservadores, mas pela força do medo.



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