Política
Mentira tem pernas curtas FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 07/08/11
O artigo de Augusto de Campos publicado na Folha de S. Paulo semana passada me deixou surpreso pela carga de ressentimentos que revelou. E tudo porque, numa crônica, publicada aqui mesmo, mencionei um encontro nosso, em junho de 1955, na Spaghettilândia, no Rio, quando, ao falarmos de Oswald de Andrade, qualificou-o de irresponsável.
Mas, na mesma crônica, digo que, graças à releitura que ele e seus companheiros fizeram de Oswald, a obra deste ganhou o reconhecimento de que hoje desfruta. Qual a razão, então, para tamanho furor contra mim? Apenas porque disse que a visão que ele tinha de Oswald, naquele momento, era equivocada? Mas aquela era a visão que quase todos tinham dele, naquela época.
Antes desse artigo despeitado, Augusto já havia mandado uma carta à Folha afirmando que o tal encontro na Spaghettilândia era invenção minha. Vou demonstrar, aqui, que o encontro houve. Curioso, porém, é que, naquela carta, ele não nega que tivesse chamado Oswald de irresponsável; prefere dizer que o encontro não aconteceu, quando o que importa é o que disse ou não, tanto faz se na Spaghettilândia ou na Dysnelândia.
Curioso é que já havia falado desse tal encontro em muitas outras ocasiões, sem que Augusto o desmentisse. Por que decidiu fazê-lo agora, não sei. A referida crônica, a escrevi para evocar minha relação de amizade com Oswald, e a referência, que provocou a fúria de Augusto, foi apenas uma entre tantas outras. Nunca pretendi apresentar-me como o responsável pela valorização da obra de Oswald.
Contei apenas o que de fato ocorreu entre nós: sua leitura entusiasmada de "A Luta Corporal", ainda inédito; sua visita a minha casa no dia de meu aniversário; minha visita a sua casa no Réveillon de 1953-54 e a notícia de sua morte em outubro daquele ano.
Escrevi então um poema, que Augusto afirma ter sido "sacado do fundo da gaveta". Não sei o que pretende dizer com isso, a não ser negar que entre mim e Oswald houvesse qualquer identificação mais profunda. Enfim, uma tolice.
Aliás, de tolices o seu artigo está repleto. Inventa que meu poema "O Formigueiro" foi uma imitação oportunista de poemas seus. Sucede que esses poemas têm uma lauda cada um (ideogramas); o meu, 50 - e só o publiquei 36 anos depois. Quanto oportunismo, não?
Na tentativa de demonstrar que o tal encontro foi invenção minha, cita uma crônica em que confesso esquecer o que leio, o filme que vejo, chego mesmo a mijar na lata de lixo, julgando que é o vaso sanitário. Ele se vale, desonestamente, dessa autogozação para insinuar que nada do que digo merece crédito. Engraçado é que Chico Buarque, depois de ler a crônica, me disse que também havia mijado, por distração, na lata de lixo...
Augusto, que nunca mija fora do penico, quis retratar-me como um sujeito ególatra e presunçoso, dono da verdade. Pergunto: alguém assim escreveria uma crônica como essa, intitulada "Errar é comigo mesmo", confessando suas trapalhadas? Augusto jamais o faria, uma vez que, modesto como é, não erra nunca. Ele e Deus.
Aliás, prefere mentir. Diz no tal artigo que me viu apenas "umas quatro ou cinco vezes de passagem", mas pouco falou comigo. No entanto, em maio de 1955, escreveu-me uma carta que tem simplesmente cinco laudas datilografadas em espaço um (em espaço normal, daria dez páginas).
Alguém escreveria carta tão longa para um sujeito com quem não quer papo? Nela, diz: "Em que pese nossas divergências, tenho muito interesse, acho mesmo que é um dever, estarmos em contato".
Encerra a carta informando que passará alguns dias no Rio: "Gostaria de entrar em contato com você, mas como não tenho telefone (...), seria muito interessante que me enviasse um bilhete urgente (sublinhado) com o telefone de seu atual emprego". Passei-lhe o telefone e, assim, nos encontramos. Escolhi a Spaghettilândia, por estar a uma quadra apenas do lugar onde eu trabalhava. Como se vê, é mais fácil pegar um mentiroso que um coxo.
Ainda me lembro de Augusto ao chegar ali: cabelo penteado, óculos de aros grossos, bigode bem aparado, paletó e gravata. Que contraste com Oswald, que foi a meu aniversário em mangas de camisa e alpercatas! Um não tinha nada mesmo a ver com o outro.
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