À medida que a crise envolvendo o senador José Sarney aproxima "irreversivelmente" PT e PMDB, na avaliação do mais recente especialista em lulismo, o senador Renan Calheiros, fica mais claro também para a oposição que somente uma atuação conjunta poderá fazer frente a esse movimento governista, que não tem limites nem barreiras para conseguir o objetivo de eleger Dilma Rousseff a sucessora de Lula em 2010. Não apenas o episódio uniu PT e PMDB como, do outro lado, o DEM e o PSDB, que haviam se dividido na disputa pela presidência do Senado, com o DEM aliando-se ao PMDB em favor de Sarney, e o PT ficando com o PSDB no apoio a Tião Viana.
Também o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, explicitou ontem o que já vinha dizendo em conversas privadas: existe a possibilidade de um acordo partidário dentro do PSDB sem que seja preciso realizar as prévias. A lógica de Aécio é cristalina: "Todos nós temos, acima de qualquer projeto pessoal, um objetivo maior, que é vencer as eleições. Então, no momento em que nós chegarmos juntos a uma avaliação, consensualmente, de que essa ou aquela candidatura é mais viável, e havendo entendimento nessa direção, não haveria necessidade das prévias".
Os dois grupos estão dançando conforme a música, com os olhos voltados para 2010, mas é mais natural uma união antecipada entre os possíveis candidatos tucanos à Presidência do que esse acerto que está se esboçando entre PT e a ala mais reacionária e fisiológica do PMDB, sobretudo porque os movimentos táticos estão sendo comandados pelo PMDB, com o apoio de Lula.
É conhecida a máxima política que diz que governar é como tocar violino: a gente pega com a esquerda e toca com a direita. A contradita fica para a experiência, que mostra que, quando a esquerda se alia com a direita, é esta quem governa.
É o que está acontecendo na prática no governo Lula, cuja coligação partidária tem hoje a clara liderança do PMDB, em detrimento da influência política do PT, um partido que começou como de intelectuais e da classe média, depois virou um partido corporativo, mais especificamente dos funcionários públicos, perdeu com o mensalão a influência na classe média e nas grandes cidades e teve que ir para o Nordeste atrás dos votos que muitos acreditam ser mais do lulismo, devido a programas assistenciais como o Bolsa Família.
Sendo votos do lulismo, tanto podem fortalecer o PT como ir para os partidos que eventualmente façam parte do bloco governista, especialmente o PMDB, que tem uma máquina nacional formidável. O reforço da posição política do PMDB já se mostrava na pressão para que o presidente não tente ajudar candidatos petistas em estados onde a disputa é com o PMDB, como na Bahia e no Rio Grande do Sul.
Os governadores mais importantes do PT passaram a ser os do Norte e do Nordeste, como Jaques Wagner da Bahia, Marcelo Déda de Sergipe, Wellington Dias no Piauí, Binho Marques no Acre, Ana Julia no Pará.
É também no Norte e no Nordeste que estão alguns dos grupos políticos mais fortes do PMDB, como os Sarney no Maranhão, os Calheiros e os Collor em Alagoas, Geddel Vieira Lima na Bahia.
O fato é que petismo e lulismo são forças políticas cada vez menos convergentes, como mostra o episódio do Senado, quando o PT tentou livrar-se do apoio de Sarney e teve que recuar diante da pressão de Lula.
A força pessoal do presidente Lula está tão grande que não há garantia para o PT de que essa transferência de poder político se faça naturalmente para o partido original, podendo também transbordar para o aliado mais forte no momento, o PMDB, e até mesmo se opor ao petismo quando o pragmatismo político assim o exigir.
O Bolsa Família, o grande propulsor da mudança da geografia eleitoral de Lula, fez do Nordeste a base do lulismo, e alterou também a oratória eleitoral de Lula, ressaltando a origem de pobre nordestino e reduzindo a do operário, uma sutileza que o distancia do PT urbano original e o aproxima do populismo e do fisiologismo.
Lula tem uma votação ascendente nas regiões Norte e Nordeste desde as primeiras eleições que disputou, onde era temido e hoje é adorado: saiu de 30% de votos no Nordeste, em 1994, para 66,7%, e de 25,5% no Norte para 56%.
O PMDB, por seu lado, criou seu próprio modelo de exercício do poder e cada vez mais se impõe, como mostram os acordos políticos que estão em marcha para colocar o PT na base de apoio de Sarney na tentativa de mantê-lo na presidência, com receio de perder o apoio do partido para a eleição de 2010.
Na prática, o PMDB está obrigando o governo a lhe ceder cada vez mais espaço em detrimento do PT, e já se fala que os ministros Geddel Vieira Lima e Edson Lobão farão parte de um conselho político do Palácio do Planalto, antes só composto por um grupo petista.
Muita mudança desde o início do primeiro governo, quando os petistas viam nos partidos da base apenas "legendas de aluguel" que poderiam ser manipuladas à base do fisiologismo. Daí nasceu o mensalão, que quase não pegou o PMDB, que era rejeitado por Lula na ocasião. O PMDB saiu da eleição de 2006 com força política renovada, e consolidou-se nas eleições municipais do ano passado, tornando-se o centro da coalizão governamental, dominando as duas Casas do Congresso.
Lula, desde que se descolou do petismo para viver a experiência de ser um líder político acima dos partidos, com recorde de popularidade nunca antes registrado, está convencido de que apenas precisa manter o PMDB dentro de seu governo, aceitando todas as suas exigências, para ter condições de eleger seu sucessor. E, para atingir esse objetivo, não hesita em humilhar o PT.