MERVAL PEREIRA Olhos nos olhos
Política

MERVAL PEREIRA Olhos nos olhos


O GLOBO - 16/05/10


O presidente Lula chega a Teerã para uma missão considerada impossível: tirar do governo teocrático de Mahmoud Ahmadinejad um compromisso formal de que o programa nuclear iraniano é para fins pacíficos, em termos que sejam aceitáveis para os países que querem aprovar no Conselho de Segurança da ONU sanções econômicas contra o Irã, sob a liderança dos Estados Unidos.

O problema é que esses países não acreditam na mera palavra do governo iraniano, e qualquer documento tem que ser seguido de fatos concretos, coisa que o Irã se recusa a fazer.

Classificado de ingênuo em diversas ocasiões por líderes internacionais como a secretária de Estado Hillary Clinton ou o ministro das Relações Exteriores da França, Bernard Kouchner, o presidente Lula já teve uma primeira vitória diplomática: sua missão, por mais insólita que pareça, acabou recebendo o apoio dos governos dos Estados Unidos, da França, da Rússia.

Todos céticos com relação às chances de sucesso, mas obrigados a dar um voto de confiança ao carismático líder brasileiro, que procura ter o apoio da presença nas negociações do primeiroministro da Turquia.

O risco de fracasso, muito maior do que a chance de sucesso, faz com que Recep Erdogan relute em comparecer.

Tanto Lula quanto Erdogan fazem parte daquela lista da revista "Time" de líderes mais influentes do mundo, e os dois parecem mais empenhados em afirmar essa influência, em contraste com o governo dos Estados Unidos, do que realmente em chegar a uma solução, que a todos parece inviável.

Assim como previsivelmente não conseguiu nada no Oriente Médio, a busca de um protagonismo internacional leva o governo brasileiro a assumir uma negociação com o Irã que dificilmente se concretizará, ainda mais na tosca concepção de Lula de que a solução ainda não foi encontrada por que nenhum dirigente internacional sentou-se para negociar com Ahmadinejhad "olho no olho".

Hillary Clinton classificou nos bastidores a recente passagem de Lula pelo Oriente Médio de "risivelmente ingênua", e mostrou-se cética mais uma vez com relação ao êxito das conversações com o Irã, mas oficialmente o governo dos Estados Unidos se viu obrigado a considerar a visita de Lula como a última chance antes da decretação das sanções.

O ministro das Relações Exteriores da França, Bernard Kouchner, que revelara recentemente o receio de que o presidente brasileiro estivesse sendo "embromado" por Ahmadinejad, teve que recuar depois da péssima repercussão de seus comentários.

Até o momento, o governo brasileiro está conseguindo se manter dentro de uma zona de respeitabilidade, mas qualquer passo em falso pode se transformar em galhofa internacional.

A posição brasileira de postar-se ao lado do governo do Irã para evitar as sanções econômicas internacionais tem uma explicação oficial que não satisfaz aos observadores internacionais.

O governo brasileiro diz que está defendendo seus interesses, porque teme que uma sanção ao Irã possa transformar-se em arma contra nosso programa nuclear.

De fato, o governo trava uma guerra nos bastidores com a AIEA com relação à assinatura de um protocolo adicional ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP).

Esse adendo ao TNP foi idealizado depois dos atentados de 2001 nos Estados Unidos, e pretende ampliar as áreas de fiscalização da AIEA, o que o Brasil não aceita.

A principal razão é proteger o segredo das centrífugas utilizadas no programa nuclear para enriquecimento de urânio, que seriam uma invenção brasileira à frente das existentes no mundo.

A resistência à ampliação da fiscalização da AIEA e mais o apoio ao programa nuclear do Irã, no entanto, já está fazendo com que surjam aqui e ali desconfianças de que, na verdade, o que o governo brasileiro quer mesmo é criar condições para retomar o programa nuclear para fazer a bomba atômica, como alguns setores defendem abertamente.

Não há, no entanto, nenhuma razão objetiva que permita uma ilação nesse sentido, pois o país assinou o TNP e a fiscalização hoje existente é mais do que suficiente para garantir que o programa tem realmente fins pacíficos.

O que não acontece com o Irã, que também assinou o TNP mas não aceita a fiscalização dos órgãos internacionais, além de ter enriquecido o urânio a 20% sem autorização formal da AIEA.

O Brasil, para seu programa de submarino nuclear, já tem permissão para enriquecer urânio a 20%, mas nem pretende chegar a tanto.

A questão, no entanto, é política, e nesses termos o governo brasileiro terá que obter do governo de Mahmoud Ahmadinejad mais do que um documento afirmando que o programa nuclear tem fins pacíficos.

Isso, por sinal, o governo do Irã vive afirmando em público, mas a essas afirmações não se seguem atos concretos que as avalizem.

O que os países que fazem parte do Conselho de Segurança da ONU temem é que o Irã esteja usando esse anseio de Brasil e Turquia de se impor no cenário internacional para ganhar tempo, dando continuidade ao programa nuclear sem fiscalização e evitando as sanções internacionais.

O sucesso não previsto pela maioria alavancará a imagem de líder emergente que Lula cultiva com tanta obsessão, abrindo caminho para uma atuação internacional após o fim de seu mandato presidencial.

Se, ao contrário, Lula não sair de sua visita a Teerã com algum acordo razoável que desmobilize a tendência do Ocidente de decretar sanções, estará correndo o risco de explicitar sua irrelevância, e a da diplomacia brasileira, nas negociações internacionais fora de sua área natural de influência, a América Latina



loading...

- Estava Demorando: Programa Nuclear Do Brasil é Investigado Após Acordo Com O Irã
 Estava demorando as ilações e contragolpe dos defensores da guerra. O Brasil, para EUA e outros países, não pode sair bem nesta história.  E de outro é preciso matar dois coelhos de uma paulada agora. Vamos agora, isso no pensamento maquiavélico...

- Lula Conseguiu Acordo Com O Irã: Lula Obtém A Maior Vitória Da Diplomacia Brasileira
Lula conseguiu acordo com o Irã: Lula obtém a maior vitória da diplomacia brasileira O ministro de Relações Exteriores da Turquia, Ahmet Davutoglu, disse neste domingo que foi alcançado um acordo entre Irã, Turquia e Brasil sobre a troca de combustíveis...

- ''audiência'' Para Ahmadinejad Editorial - O Estado De SÃo Paulo
 27/04/2010    O chanceler Celso Amorim concluiu ontem em Teerã, onde foi recebido pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad, um breve giro por algumas das capitais onde se desenrola, com enfoques distintos, o contencioso sobre o programa nuclear iraniano,...

- Acordo Brasil-irã-merval Pereira
O GLOBO O Gabinete de Segurança Institucional, subordinado diretamente à Presidência da República, começou uma série de consultas a órgãos ligados ao programa nuclear brasileiro para receber informações sobre que pontos poderiam servir de base...

- Editorial De O Globo O Risco Irã
O Globo - 10/02/2010 O Irã recorreu a seu script preferido em se tratando do programa nuclear: num dia se mostrou disposto a enviar urânio para ser enriquecido no exterior — forma imaginada pelo Ocidente para controlar a produção; no outro, anunciou...



Política








.