O GLOBO
Imaginar que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, estará em Copenhague para a decisão sobre a cidade que sediará as Olimpíadas de 2016 porque Lula o incentivou é tão bobo quanto imaginar que Lula pudesse pedir a ele que não fosse, para ajudar o Brasil. Pois o governador do Rio, Sérgio Cabral, no afã de emplacar uma vitória que lhe será fundamental para a campanha de reeleição, chegou a imaginar essa interferência de Lula, e até recentemente estava certo de que Obama não estaria presente.
Pelo visto, “o cara”, que é mais esperto politicamente, fez o contrário e desembarcou em Copenhague anunciando que sugerira a Obama estarem juntos por lá.
Uma vitória de Chicago amanhã deixará a sensação de que a presença de Obama foi decisiva, e de que ele é que é realmente “o cara”.
Uma vitória do Rio de Janeiro será certamente uma vitória política de Lula, e de mais ninguém, e reforçará sua importância nesse mundo multipolar, onde tudo se resolve na base do prestígio político e de interesses econômicos, especialmente eventos como as Olimpíadas, que atraem a atenção de bilhões de pessoas pelo mundo.
O governo brasileiro se empenhou com todos os seus trunfos para que o Rio de Janeiro seja o vencedor, e o chanceler Celso Amorim deixou clara a estratégia ao dizer que as prioridades da política externa eram a eleição da ministra do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie para um tribunal da Organização Mundial do Comércio e a escolha do Rio para a sede das Olimpíadas de 2016.
Por isso, o Brasil abriu mão de apoiar o brasileiro Márcio Barbosa para a presidência da Unesco, que contava com o apoio dos Estados Unidos e dos países europeus, para assumir a candidatura do egípcio Farouk Hosni, polêmico por suas declarações antissemitas de que queimaria pessoalmente livros em hebraico que encontrasse nas bibliotecas do Egito.
Tão controvertido que perdeu a disputa pela secretariageral na Unesco para a búlgara Irina Bukova, até então um azarão. Também na OMC não conseguimos emplacar a candidatura da ministra Ellen Gracie.
Resta saber se a estratégia estava completamente equivocada, ou se a cereja do bolo, a sede dos Jogos Olímpicos, vai ser conquistada amanhã.
Tudo conspira a favor da escolha do Rio de Janeiro, embora os especialistas digam que nada dessa política externa que os países jogam influencia tanto quanto a própria politicagem interna dos delegados do Comitê Olímpico Internacional (COI), que teriam seus próprios interesses e trocariam votos e favores com visões bem mais prosaicas que nem Obama nem “o cara” poderiam atender.
Mas, de qualquer maneira, o mundo está favorável a novas governanças, e o prestígio dos países emergentes cresce à medida que é necessário ampliar os poderes e dividir responsabilidades.
O G-20, transformado em instância de decisão multipolar, substitui o antigo G-8, que reunia os países desenvolvidos e mais a Rússia, e demonstra o poder político ampliado de países como Brasil, Índia, África do Sul, Coreia do Sul, México.
Mesmo que a politicagem interna do COI seja mais relevante para os votos do que a política internacional, é claro que o crescente prestígio do Brasil nos fóruns internacionais dá um peso especial à candidatura do Rio, e o fato de que nunca uma Olimpíada se realizou na América do Sul é mais um bom argumento para que o COI se insira nesse novo mundo que está sendo organizado depois da crise econômica internacional, que abalou os alicerces do velho mundo unipolar.
A candidatura do Rio é um anseio nacional, em busca de uma oportunidade de mostrar uma nova face do país, assim como a de Moscou e a de Pequim já surpreenderam o mundo.
Desse ponto de vista de política externa, uma vitória do Rio sobre a Chicago de Barack Obama seria uma reafirmação dessa nova ordem internacional, e uma demonstração de que um presidente com visão de mundo mais ampla, e que faz questão de que os Estados Unidos não se portem como os senhores do Universo, pode ter sua influência política contestada por novos atores globais.
Dentre esses, certamente o presidente Lula é dos mais destacados, e seu empenho pessoal na realização dos jogos certamente pode pesar na decisão de países do terceiro mundo, como os árabes e os africanos, cujos votos o Itamaraty tanto cultivou.
Se, no entanto, nossos sonhos de grandeza forem atropelados pela vitória de Chicago será hora de encarar a realidade e reconhecer que, pelo menos por enquanto, na hora decisiva, “o cara” continua sendo o presidente dos Estados Unidos.
A decisão do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, de se filiar ao PT nos derradeiros momentos do prazo que a lei dá a quem quer se candidatar nas eleições de 2010 demonstra que ele tem projetos eleitorais, mesmo que ainda indefinidos.
É mais um dos muitos paradigmas que esse diplomata tem feito questão de quebrar ao longo de sua permanência à frente do Itamaraty, transformando uma “carreira de Estado” em mais um cargo político a serviço do governo.
Ele já estivera nos palanques de reeleição do presidente Lula, e fora criticado por isso. Com sua filiação partidária, Celso Amorim só faz validar a tese de que o governo Lula usou a política externa brasileira para fazer um contrapeso a uma política econômica conservadora que adotou internamente.
A tendência a um esquerdismo anacrônico de nossa política externa, em certos momentos claramente antiamericana, e as proximidades políticas com a Venezuela e seus satélites na América do Sul, obedeceriam a uma orientação petista representada pela atuação do assessor especial Marco Aurélio Garcia.
A posição assumida na crise de Honduras seria a expressão dessa contrapartida.