DE UM LADO , um intelectual brasileiro que já dirige o organismo e conta com a promessa de apoio de 20 países; de outro lado, um ministro da Cultura do Egito, Farouk Hosny, que prometeu queimar livros em hebraico. Em jogo, a direção da Unesco, órgão voltado à cultura, ao diálogo e à tolerância. O governo brasileiro decidiu apoiar a candidatura do egípcio, contra todas as advertências. O chanceler Celso Amorim argumenta que é uma decisão baseada na geopolítica, um desejo de aproximação com o bloco árabe e africano. É razoável que o governo desconfie de alguém da oposição que procure evitar seus erros. Mas nesse caso específico, a ideia é apenas evitar descaminho em nossa política externa, comprometendo a reputação brasileira. Uma política externa deve ser pactuada e confirmada nas eleições. Esta inflexão brasileira, ora convidando ao país o presidente do Irã, que nega o Holocausto, ora apoiando um ministro egípcio que admite queimar os livros em hebraico, quebra a linha tradicional de nossa política. Não se trata apenas do confronto entre o brasileiro e o egípcio. Trata-se do confronto entre um brasileiro, Márcio Barbosa, que reformou a Unesco, comandou três convenções internacionais e é admirado por países ricos e pobres, e um homem que é, há 20 anos, ministro da Cultura em seu país e tem oposição até entre os egípcios, que fazem campanha na internet contra sua candidatura. O governo tem inúmeras formas de corrigir sua decisão. Mas caso não o faça, é razoável que surja no Brasil um movimento pela candidatura de Márcio Barbosa. Se o país oficial distancia-se de sua política, o caminho é reconduzi-lo pela pressão social. Reconheço que o tema desperta interesse limitado, mobilizando, no momento, alguns círculos culturais e a comunidade judaica. O espaço não permite um debate específico sobre o conceito de geopolítica, suas limitações e virtudes. Não há geopolítica que justifique um erro dessa dimensão. Ao invés de fortalecer a Unesco, através de um brasileiro que a engrandeceu nos últimos anos, o Brasil escolheu o caminho mais difícil que não só atinge Israel mas também os países que apoiam Márcio Barbosa. É um caminho que afastará os Estados Unidos da instituição, estimulando a tendência de não cooperar com a Unesco. O presidente Lula foi um dos primeiros signatários de um movimento internacional, a partir da ONU, contra a intolerância. Seu governo orgulha-se de apoiar minorias. O ministro egípcio Farouk Hosny está em visita ao Brasil para um congresso internacional. Dentro das limitações, uma vez que o tema não é popular, não tenho outro caminho a não ser mostrar a ele que uma parte do Parlamento brasileiro não concorda com a posição oficial. A candidatura de um brasileiro não é melhor porque nasceu aqui: é melhor porque conhece todos os meandros da Unesco e, através de competência, conseguiu a simpatia de muitos países. E, finalmente, porque jamais admitiria a queima de livros em hebraico ou mesmo a queima de livros em qualquer outro idioma. |