Política
Ministros defendem ilegalidade EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
Dois ministros de Estado, contestando as mais do que pertinentes advertências do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, sobre a inconstitucionalidade, a ilegalidade e a ilegitimidade de repasses de dinheiro público a organizações sem existência legal e que, ainda por cima, praticam ilícitos penais, como o Movimento dos Sem-Terra (MST), defendem essa prática do governo, utilizando-se para isso da mais deslavada chicana com o objetivo de negar que o MST jamais recebeu qualquer dinheiro do governo.
Entende-se que líderes dos MST, como João Pedro Stédile e Jaime Amorim, se utilizem de argumentos tão primários quanto cínicos para a defesa de sua entidade fora da lei - Stédile afirmando que, por ser "um movimento", o MST não pode ter CNPJ e registros legais; e Amorim enfatizando que os recursos públicos canalizados para associações ligadas ao MST se destinam, exclusivamente, à capacitação profissional de assentados, fornecimento de crédito para produção, etc. Pouco estão ligando, estes personagens, que todos saibam que o MST e seus assemelhados repudiam qualquer coisa que lhes assegure existência formal, legal, pois o que temem é que isso os obrigue a prestar contas do dinheiro público recebido junto aos Tribunais de Contas, Receita Federal e outros órgãos oficiais de fiscalização.
Evidentemente, os ministros Guilherme Cassel, do Desenvolvimento Agrário, e Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil, não poderiam simplesmente endossar os argumentos emessetistas - a menos que a identidade ideológica com os movimentos fora da lei os levassem também a menosprezar a capacidade alheia de entender o que é notório. Por isso preferiram, com enorme dose de cinismo, recorrer à chicana pura e simples. Disse o ministro Cassel, com efeito, que é impossível associar as entidades beneficiadas com recursos públicos a movimentos sociais como o MST, pelo que tais "vinculações" não passam de meras "suposições".
Até o asfalto de Brasília sabe, há muito tempo, que MST e Anca (Associação Nacional de Cooperação Agrícola) são uma coisa só. Se o ministro Cassel se desse ao trabalho de ligar para os números do MST, em Brasília, ouviria uma telefonista dizer, do outro lado da linha: "Anca, bom dia." E a Anca tem CNPJ, é registrada na Junta Comercial e recebe recursos públicos - como uma espécie de tesouraria do MST.
Menos preocupada com "sutilezas", a ministra Dilma Rousseff, em sua campanha eleitoral - perdão, em visita administrativa a Florianópolis -, disse que "não há irregularidades" nos repasses (de recursos públicos a entidades ligadas ao MST), e que "para que alguma coisa se caracterize como ilegalidade ou legalidade ou há uma prova real ou há um julgamento". É como se a ministra dissesse que, se o criminoso conseguiu jogar a arma do crime no fundo do mar e ainda não foi julgado, não se pode dizer que tenha cometido algum ato dentro da "ilegalidade" ou da "legalidade"...
Se alguém - ministro ou não - não sabia que tanto a Anca quanto a Concrab (Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária) são as entidades "legalizadas" que repassam recursos públicos para o MST e assemelhados, a CPI da Terra deixou esses vínculos mais do que cristalinos. Assim, as irregularidades apontadas pelo presidente do STF não são novidade alguma - embora novidade seja a figura mais proeminente do Poder Judiciário precisar dizer, com todas as letras, o que está escrito na Constituição e nas leis vigentes, como admoestação ao governo da União.
Sem dúvida, a advertência do ministro Gilmar Mendes encontrou boa repercussão no Ministério Público (MP), como mostra o fato de o Ministério Público Federal e a Polícia Federal já terem encontrado indícios de desvio de verbas federais por ONGs ligadas aos sem-terra da região do Pontal do Paranapanema, no interior de São Paulo, área de atuação de um dos maiores beneficiários individuais da generosidade do governo com o MST, José Rainha, que, por sinal, foi posto de quarentena pelo movimento social que se sente lesado por ele. Por enquanto, estão sendo investigados três contratos do Incra e do Ministério do Desenvolvimento Agrário com as duas entidades, em 2007, envolvendo a soma de R$ 3,35 milhões. Aguardemos.
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