O GLOBO
Um perseguido político que entra numa embaixada e pede proteção quer asilo. Normalmente para sair do país. Concedido o asilo, ele renuncia a qualquer atividade política enquanto estiver naquele território que o acolheu. O presidente Manuel Zelaya foi à Embaixada do Brasil para entrar no país, não pediu asilo, fez política e levou com ele várias pessoas que não estavam sob ameaça.
O caso estava ontem ficando cada vez mais assustador.
A sede da embaixada é território brasileiro. Quando o governo hondurenho cerca com tropas e corta serviços para a embaixada está agredindo o nosso país. Cada vez que uma pessoa é ferida — ou até morta — aumenta a responsabilidade do Brasil pela situação criada.
Termine como terminar, o episódio Honduras já deu várias lições ao Brasil sobre como não proceder. Tudo é esquisito neste caso. A primeira esquisitice foi a insistência tanto de Celso Amorim quanto do próprio Zelaya de qualificar a ajuda do Brasil como sendo “abrigo”. Asilo todo mundo sabe o que é no Direito Internacional. Abrigo já fica mais difícil definir.
Essa ambiguidade não foi um erro, omissão, ingenuidade.
Tinha um significado.
Zelaya queria preservar seu direito de fazer política. Foi por isso que ele se materializou na frente da Embaixada do Brasil junto com outros correligionários igualmente materializados no mesmo local. Para ele era conveniente não ser “asilado”, mas para nós não.
Existem normas de conduta em casos assim e elas são respeitadas exatamente para que cidadãos, perseguidos politicamente em seus países, possam se proteger.
Quando a conjuntura muda, eles voltam e reassumem sua vida normal. As embaixadas de inúmeros países guardaram os brasileiros perseguidos pela ditadura militar. A elas, agradecemos.
Vários desses brasileiros estão aí exercendo atividades políticas, graças exatamente ao valioso instituto do asilo político.
O Brasil não poderia fechar as portas a Zelaya. Isso não teria cabimento. Seria infringir a regra de ouro da concessão da proteção.
Uma vez concedido, existem outras regras de ouro que precisam ser seguidas exatamente para preservar a instituição do asilo.
A explicação do governo brasileiro de que não sabia que ele iria, até que ele, com dois metros acrescido de chapéu, apareceu na porta da embaixada em Tegucigalpa, levanta uma dúvida. Se o avião que levou Zelaya de volta foi venezuelano, Hugo Chávez sabia. Nada se faz na Venezuela sem que seu dono e senhor saiba. Ainda mais porque não era um avião particular. Se Chávez sabia e não contou é porque armou uma arapuca para o Brasil.
Muy amigo, como sempre.
O grupo que está exercendo o poder em Tegucigalpa não é de confiança.
É o mesmo que pegou o presidente eleito em sua casa, ainda de pijamas, e o despachou para fora do país. Isso é coisa de maluco.
Golpista. Ou ambos. A reação de impor toque de recolher, censurar a imprensa, perseguir pessoas é típica das ditaduras. É um governo indefensável.
Manuel Zelaya é o presidente eleito, mas cometeu muitos erros também. Zelaya se preparava para desrespeitar o Supremo, o Congresso, a Constituição iniciando consulta sobre um terceiro mandato. Alertado por outras instâncias de poder, ignorou. Isso não justifica o que foi feito com ele, mas tira dele a aura de santo guerreiro contra os dragões golpistas que os governos brasileiro e venezuelano tentam dar.
O mundo inteiro condenou o governo Roberto Micheletti, que nunca terá legitimidade, seja qual for seu argumento para justificar o que fez. A OEA teve uma inédita unanimidade na condenação ao governo e inúmeros países cortaram relações diplomáticas e programas de ajuda, inclusive o responsável pelo maior volume desses programas, os Estados Unidos.
Graças à mediação do presidente da Costa Rica, Oscar Arias, o país está marchando para eleições gerais.
A situação atual perturba o processo, mas se houver eleições o país já terá ao fim de novembro um novo centro de poder legítimo, que será o presidente eleito, e todo esse impasse pode ser superado.
É isso que Zelaya não quer. Quando houver um novo presidente eleito, a importância que ele tem hoje acaba. Ele deixa de ser um dos centros gravitacionais de poder. Por isso agiu agora, enquanto ainda é o presidente. Depois do fim do seu mandato ele será apenas ex-presidente.
É inevitável que o Brasil tenha uma diplomacia mais ativa na América Latina do que teve no passado. Não poderia continuar a vida inteira fingindo não ter a importância, o peso, o tamanho que tem. Mas para isso é preciso observar a regra de não tomar partido em certas brigas, e lutar apenas por princípios. Ultimamente o Brasil tem passado umas mensagens meio tortas. É a favor do Chávez e não da Venezuela; defende o Chávez e não a democracia venezuelana.
Nas diferenças entre Venezuela e Colômbia não é neutro. Tem um viés anti-Colômbia ditado por razões conjunturais e ideológicas.
No caso de Honduras, o Brasil estava fazendo tudo certo até o momento em que permitiu que a embaixada virasse escritório político do presidente deposto. Aí perdeu a razão e a postura.
Resta torcer por uma solução que minimize o custo dos deslizes do Brasil.
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COM BRUNO VILLAS BÔAS