Política
Miriam Leitão Sinais de Honduras
O GLOBO
O acordo em Honduras ainda precisa enfrentar o teste da verdade: a volta de Zelaya ao governo e o respeito dele aos compromissos. Ele não é o vencedor; teve que desistir do ponto do conflito, a consulta popular sobre reeleição do presidente. Mas Micheletti é o derrotado. Os EUA inauguram uma nova era na relação com a América Latina. O uso político de nossa embaixada foi um erro.
Honduras é um caso emblemático por vários motivos.
Mostrou a reação mundial contra um golpe de estado na AL. Exibiu a nova face da diplomacia americana.
Explicitou mais um caso de tentativa de mudanças das regras do governante no poder. Estará tudo bem, se terminar tudo bem: com a volta de Manuel Zelaya para concluir seu mandato, com a submissão dele à Constituição do país, com eleições livres e alternância de poder.
O enviado especial do Departamento de Estado americano para resolver o problema, Thomas Shannon, fala português e espanhol e conhece a região. Sua ação, ao contrário de outros tempos, foi para restabelecer a ordem democrática e não para apoiar os golpistas. A ação firme americana em nada lembra o triste período em que os Estados Unidos patrocinaram ditaduras na América Latina.
Se tudo acabar bem, e tomara que sim, nem por isso estará legitimada a atabalhoada ação do Brasil. A diplomacia brasileira fez certo em ser tão irredutível a favor do presidente eleito.
Se foi mesmo apanhada de surpresa com a “materialização” do presidente deposto, em frente à embaixada, tinha sim que o abrigá-lo, do contrário, ele estaria com a vida em risco, naquele momento de radicalização. Mas nada justifica o uso da embaixada como centro de agitação política. Negociar de lá com os governantes está correto; promover manifestações, fazer os discursos que fez, e falar até em morte a partir da embaixada brasileira é inaceitável. E sempre será. O fim não legitima o que foi feito no meio desse processo.
Desde o dia 24 de março, quando Manuel Zelaya convocou — para junho — um referendo sobre a reforma constitucional que poderia levar a um novo mandato para ele, Honduras começou a seguir o caminho que poderia levar a um novo caso de chavismo na região. A consulta, como todos já sabem a essa altura, era inconstitucional.
O Supremo não autorizou.
O Congresso ficou contra. O general Romeo Vasquez se recusou a cumprir a ordem de levar adiante a execução do plebiscito e foi preso por Zelaya.
Nada disso torna aceitável o que aconteceu na madrugada de 28 de junho, quando soldados entraram na casa do presidente e o mandaram de pijamas para a Costa Rica. Fala-se muito do pijama, mas mesmo que estivesse em seu melhor terno — e chapéu — seria golpe despachar um presidente para outro país.
Já no dia 30 de junho, a Assembléia Geral da ONU pediu aos seus 192 membros que só reconhecessem o governo de Zelaya. No dia primeiro de julho, a OEA deu 72 horas para o governo interino devolver o poder a Zelaya. Não foi atendida.
Mas o que ficou claro foi que as instituições multilaterais não estavam mais dispostas a conviver com ditaduras feitas à velha moda na América Latina. Falta agora saber como a OEA reage às novas ditaduras.
O método chavista é o de implodir a democracia — atuar por dentro, corroer as instituições, revestir tudo com um discurso supostamente progressista, dizer que fala em nome dos pobres, atacar a imprensa e disseminar o conflito interno.
Contra a morte lenta da democracia, mascarada com a manutenção do ritual das eleições periódicas, os organismos multilaterais não sabem o que fazer. O final de tudo isso não será bonito. Isso ficou mais claro depois da decisão de armar as milícias.
Ontem, ao defender o terceiro mandato para o presidente Lula, Chávez fez uma pergunta: por que um presidente popular tem que sair do governo? Ora, porque a democracia pressupõe alternância de poder.
Ele não entende isso. Lula entende, tanto que não levou adiante as tentativas de mais um mandato. Mas o presidente brasileiro frequentemente repete gestos e palavras de Chávez, coisa que deveria evitar. Na quintafeira mesmo, em São Paulo, numa cerimônia com três mil catadores de lixo, Lula criticou a imprensa, falando diretamente aos jornalistas, que foram vaiados pelos presentes. Esta é uma típica cena venezuelana que ele deveria evitar. Lá terminou mal.
A volta de Zelaya terá que passar pelo Congresso e pelo Supremo, exatamente os poderes que ele subestimou no episódio que levou ao conflito institucional. Essa volta não será simples, mas de qualquer maneira, o grande derrotado foi Roberto Micheletti.
Ele era presidente do Congresso, assumiu um governo que foi reconhecido por apenas meia dúzia de governos ao redor do mundo, enfrentou uma unanimidade contra no continente, tentou provar que o que comandara não era golpe, mas acabou tendo que ceder e negociar.
O país de pouco mais de sete milhões de habitantes mobilizou todo o continente e continuará prendendo a atenção. As eleições estão marcadas para daqui a menos de um mês, e, se voltar ao poder, Zelaya terá que deixar a presidência em 29 de janeiro do ano que vem.
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