Miriam Leitão Água e vinho
Política

Miriam Leitão Água e vinho


Nunca antes na história deste Copom a realidade mudou tanto entre uma reunião e outra. A última foi antes de o Lehman Brothers quebrar. Era outro mundo! De lá para cá, a crise apareceu com toda a sua força. Neste momento, o Brasil precisa de uma redução do consumo, uma desaceleração da atividade.

Isso se faz com alta dos juros. Mas o Banco Central não deve, nem precisa, subir os juros.

Nos dias 9 e 10 de setembro, a situação não estava boa, mas nada que se compare ao que aconteceu nestes intensos, difíceis e assustadores 47 dias que separam uma reunião e outra.

Alguns dados: o dólar estava em R$ 1,78, acumulando uma inofensiva alta de 0,5% no ano. Daí para diante, disparou. Ontem fechou em R$ 2,18, alta de 22% entre uma e outra reunião do Copom.

Mas isso não diz tudo da mudança de água para vinho da questão cambial.

O dólar chegou a a R$ 2,38, mas houve momentos desses dias nervosos em que foi negociado a mais de R$ 2,50. O Banco Central, até meses atrás, era incentivado a comprar dólares. O governo chegou a fazer uma medida autorizando as empresas a deixarem dólares no exterior, para deter a entrada de dólar. Esse ambiente mudou completamente, e o BC teve que vender dólares para acalmar um mercado desesperado pela moeda americana.

O episódio dos prejuízos das empresas tem um grande símbolo: a Aracruz, que no pior cenário pode perder ao todo US$ 6 bilhões nos derivativos cambiais. Isso é equivalente a 10 anos de lucro.

O dólar subindo eleva a pressão inflacionária; se os juros subirem, o dólar, em épocas normais, cairia.

Agora, o país precisa conter a pressão inflacionária do dólar e ainda derrubar a cotação. Tudo indicaria o quê? A alta dos juros. Mas não é isso que o Banco Central deveria fazer hoje.

Em 10 de setembro, a Bolsa estava com 49,6 mil pontos.

Ontem, ela subiu 13,4% e fechou em 33,4 mil pontos.

Acumula queda de 32,7% desde a última reunião do Copom. O risco-país estava em 266 no dia 10 de setembro e já havia subido 17% no ano. Ontem, ficou em 537, um aumento de 101,8% desde a última reunião do Copom, e de 136,5% desde o começo do ano. Mas foi uma excelente notícia, porque na segunda-feira chegou a 624 e já ultrapassou 700 pontos neste ano.

Todos os dados mostram um tempo de turbulência vivida neste período em que os Estados Unidos entraram no pior momento da sua crise, seguidos pela Europa e pelo Japão, numa onda que se espalha pelo mundo.

As economias estão entrando em recessão no mundo desenvolvido. Forte recessão.

O índice de preço das commodities, feito pela Reuters e que tem 19 produtos, entre eles vários que o Brasil exporta, como soja, carne bovina, café, açúcar, cacau, suco de laranja, caiu 28% desde a última reunião.

E teve queda de 45% desde o pico do ano. A boa notícia: os preços das commodities em queda reduzem aquela pressão inflacionária que estava assustando o Banco Central quando ele começou o atual ciclo de alta de juros. Se eles caem, a inflação cai e, por isso, o BC pode derrubar os juros, então? O BC, em condições normais de temperatura e pressão, olharia para os dados de inflação. E lá não está havendo melhora. O IPCA acumulado em 12 meses subiu de 6,17% para 6,25%. As previsões do Focus para todas as inflações para os próximos 12 meses aumentaram ligeiramente entre um mês e outro.

Pela cartilha do Banco Central, ele teria que continuar subindo os juros para reduzir a inflação. Mas como o mundo mudou, a maneira de olhar os dados é outra.

A queda das commodities indicam que o Brasil não terá mais aquele mundo em que, com o aumento das exportações, ele financiava o aumento das importações.

O consumo dos últimos anos foi em grande parte sustentado pela abundância de dólar, que veio da exportação de commodities valorizadas. Dólar baixo, insumos caindo, vários preços em queda, e a população consumiu mais, com a ajuda do crédito abundante. Agora, o consumo precisa cair, mas o BC não precisa fazer nada. O mercado já fez.

— Há um aperto de crédito, as vendas de carros podem cair até 15% este mês em relação ao mesmo mês do ano passado, o DI de janeiro de 2010 está em 17,5%, indicando que estes são os juros para 2009. Portanto, é como se os juros já tivessem subido, mesmo que o Banco Central não o faça — diz o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros.

A realidade mudou tanto que a cartilha que o Copom sempre seguiu não serve para nada. Os dilemas são muitos. Se as commodities estão em queda, a inflação vai cair; mas se o dólar está em alta, a inflação vai subir.

A queda do nível de atividade virá como conseqüência da queda do crédito, da renda menor das empresas exportadoras e do adiamento de investimentos do setor privado.

O Banco Central deveria parar para ver. Deveria ser cuidadoso, cauteloso. Não é hora de subir os juros, mesmo sendo a inflação a primeira preocupação do BC.

Mas os tempos são extraordinários, a crise é diferente de todas as outras, os reflexos na economia são inesperados.

O BC adotou medidas pontuais e acertadas.

Hoje é dia de manter os juros onde estão. E eles já são altos para uma economia que já vai desacelerar, seja qual for a decisão.



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