Os juros podem até cair amanhã. Mesmo se não caírem, deverá ser dado um sinal de que a queda vem no começo de 2009. A inflação, a demanda e a atividade econômica estão caindo mais rapidamente do que o próprio Banco Central imaginava há 45 dias. A crise externa se aprofundou, inúmeros países derrubaram juros e a conjuntura interna mudou muito e continuará mudando.
Quando se sentar hoje para discutir o nível de juros no país, o Comitê de Política Monetária do Banco Central verá um cenário diferente do que ele previa na última reunião. Esta reunião de agora vai começar quando o IBGE já tiver divulgado o número risonho do crescimento do PIB do terceiro trimestre do ano. O país deve ter crescido, segundo previsão dos economistas, mais de 1% em relação ao trimestre anterior e mais de 5,5% em relação ao mesmo trimestre do ano passado. Número bonito, mas, infelizmente, um retrato do passado.
Até setembro, o país resistiu bem à crise externa. Quem conhece economia sabia que a onda chegaria aqui e que seria forte. Mas para se ter uma idéia, até o dia 2 de setembro a Bovespa tinha caído magros 7% neste ano. A Rússia tinha caído 30% e a China, 52%. Hoje, o Brasil acumula um tombo de 40%, mesmo ontem tendo sido um dia de alta.
Bolsa é só um símbolo. Mais importante é a deterioração das condições da economia real de lá para cá, seja no mundo, seja no Brasil. Se, na última reunião do Copom, a análise do BC era de que a produção industrial cairia um pouco, hoje já se sabe que ela despencou. Se até o Boletim Focus da semana passada os economistas dos bancos e consultorias consultadas reviram para cima a inflação do ano que vem, hoje os dados mostram que a inflação está caindo, apesar do impacto do dólar na economia.
Os economistas desprezaram, na sua equação, o canal da demanda como forma de reduzir a taxa de inflação. A economia não é mais indexada e a demanda está caindo. Portanto, fica mais difícil a elevação automática dos preços. Além disso, as commodities despencaram no mercado internacional, e o lado bom é a redução da pressão inflacionária.
Resta a preocupação com o dólar. Mais do que alto, o câmbio tem ficado volátil demais, e isso tem aumentado a perturbação que ele causa na economia. Os negócios travam, aprofundando a falta de oferta da moeda. Seu efeito não pode ser subestimado, mas há outros fatores agindo na economia. Nos mercados de crédito e de câmbio a situação não voltou ao normal. O BC reduziu a intensidade da crise, apagou alguns focos de incêndio, mas ainda não resolveu os problemas nos dois mercados. E nada disso se resolve com juros altos, ou mantendo os juros onde estão.
Este ano tem exigido mais perícia das decisões de política monetária. A queda da economia real apanhou o Banco Central exatamente no meio de um ciclo que imaginava mais longo de aperto de política monetária. Naquela época, a preocupação era com o surto inflacionário que atingia o mundo inteiro por causa do boom das commodities. As discussões eram se os biocombustíveis não estariam pressionando os preços de comida.
O tema no mundo mudou tão radicalmente que do medo da inflação global de alimentos se passa, agora, a temer a deflação nos países ricos. Palavras mais amedrontadoras estão saindo do dicionário sempre rico dos economistas. Agora é a hora do risco da estagdeflação, o medo levantado pelo economista Nouriel Roubini. No Brasil, não é o caso de se falar de deflação — a queda dos preços como doença econômica —, mas sim de se esperar a redução da inflação, que permitirá a queda dos juros no começo de 2009.
O presidente Lula e outros integrantes do governo têm falado explicitamente que é hora de os juros caírem. Isso, evidentemente, vem sendo visto como “pressão” sobre o Banco Central. Mas o fato é que o BC tem sido autônomo para tomar suas decisões e não deve hesitar em derrubar os juros porque existiriam “pressões”. O Banco Central brasileiro já pagou o preço de construção da reputação de ser autônomo. Houve momentos no passado que os juros demoraram mais a cair porque, no governo Lula, não bastava ao BC ser autônomo, tinha que provar que era.
Mas seis anos depois, esse tipo de temor não deveria atormentá-lo. Se achar que é hora de derrubar os juros, nem que seja num percentual pequeno, para mostrar que o viés é mesmo de baixa, que o faça. Isso não significa descuidar da inflação. Num país de altos e baixos, de pressões inflacionárias exacerbadas no começo do ano, e de queda da economia real no fim, o Brasil vai cumprir a meta de inflação, ficando dentro da margem de flutuação. Isso desobrigará o BC a escrever a constrangedora carta se explicando. Mas se não reduzir os juros agora, não há razão para que não o faça logo no começo do ano que vem.
Alguns economistas ouvidos pelo blog (www.miriamleitao.com) admitiram que, se dependesse deles, os juros cairiam já. Há dispersão de previsão e a mais comum é a de que a taxa de juros ficará estável. É possível que seja essa mesma a decisão do BC. Mas a política monetária já mudou. É só uma questão de tempo.