Míriam Leitão -Um ano, dois medos
Política

Míriam Leitão -Um ano, dois medos


O GLOBO

O ano trafegou entre dois medos: no início, de a economia repetir a depressão de 1929; no fim, de não se conseguir evitar a tragédia climática. Contra o primeiro, os governos despejaram um volume nunca visto de dinheiro. Para o segundo, nenhum dinheiro foi possível. Parece ser o ano em que o mundo salvou a economia e condenou o planeta.

O presidente do FED, Ben Bernanke, foi a “Person of the year” da Time. Bernanke não pode ser culpado pela crise que explodiu em 2008. A bolha se formou no período Alan Greenspan.

Bernanke era membro da diretoria de Greenspan e nunca discordou do então chefe, mas se pode dizer que o atual presidente do FED não fez a crise, apenas não a viu a tempo.

Como reação, Bernanke afogou a crise num mar de liquidez nunca visto e ainda não demonstrou saber como vai sair dos excessos de estímulos monetários que produziu. Se demorar muito pode contratar uma nova bolha, e nova crise. Em 2010 é que Bernanke terá que mostrar seu valor. Até agora, tudo o que fez foi distribuir dinheiro. O resgate das instituições financeiras, iniciada no ano passado e completada em 2009, não puniu ninguém.

Os bancos tomaram decisões insensatas, emprestaram indevidamente, tiveram lucros exorbitantes e, quando quebraram, foram socorridos com dinheiro público e seus executivos receberam bônus. A nova lei da reforma bancária, aprovada na Câmara no dia 11 de dezembro sem um único voto republicano, pode ser que impeça novos casos como esse no futuro.

Quando cheguei a Copenhague achei divertido o anúncio dos líderes políticos atuais envelhecidos avisando que poderiam ter protegido o planeta, mas não o fizeram.

Parecia só uma boa sacada de marketing. Quando saí, duas semanas depois, as fotos ainda estavam espalhadas pela cidade, e nas paredes do aeroporto, mas eu as vi com outros olhos.

Pareciam proféticas.

Eles realmente poderiam ter feito e não fizeram o Acordo de Copenhague.

Os líderes falharam.

O presidente Barack Obama ganhou o Nobel da Paz entre duas guerras, no meio de uma escalada no Afeganistão e um pouco antes de bombardear as chances de um acordo climático. Talvez ele o mereça algum dia, mas certamente não em 2009. Dos Estados Unidos que rejeitaram Kioto — e que são os maiores emissores históricos dos gases de efeito estufa — se pedia apenas que dissessem: sim, nós podemos fazer um novo acordo geral do clima. Ele chegou a Copenhague para dizer: talvez algum dia. Foi o maior teste da sua liderança internacional e ele falhou. A China também foi responsável, mas de Obama se esperava mais.

A crise econômica afetou milhões e continua afetando.

Se 2008 foi o da ameaça da crise sistêmica, 2009 foi o da perda de emprego. O ano começou com o PIB encolhendo. Se aqui os empregos foram sendo recuperados, em outros países ainda não. Em Dillon, uma pequena cidade na Carolina do Sul onde Ben Bernanke nasceu, o desemprego é de 17%. Nos Estados Unidos, como um todo, o desemprego subiu de 7% para 10%.

Apesar desses números, Bernanke continua dizendo que tudo o que fez foi para salvar Main Street e não Wall Street. O cruzamento das duas ruas é usado como metáfora das escolhas entre o mercado financeiro e a população comum.

O risco sistêmico tem que ser combatido pelo Banco Central no seu papel principal de emprestador de última instância. Mas o FED de Ben Bernanke virou o emprestador de primeira instância. A oferta de dinheiro foi para todos: bancos de investimento, hedge funds, fundos mútuos, bancos estrangeiros, empresas industriais, seguradoras. A história desse resgate ainda não contada é a de uma grosseira operação de dar dinheiro a todas as criaturas do mercado financeiro sem fazer perguntas. Ao contrário do Proer, no Brasil, em que houve uma separação entre as contas do público, que foram garantidas, e os banqueiros que perderam seus bancos, o resgate americano manteve todos os interesses. Os donos continuaram donos, os executivos continuaram executivos, e com dinheiro público foram poupados.

Os trilhões distribuídos tornaram ainda mais intrigante a pergunta: por que o Lehman foi o único a quebrar? A explicação da Time para dar o prêmio de Pessoa do Ano a Ben Bernanke é que tudo poderia ser muito pior sem as medidas que ele tomou, mas a própria revista admite as falhas do premiado como a de que ele não tinha ideia de que a bolha estava se formando.

Em março de 2007 Bernanke garantiu ao Congresso que o problema dos títulos podres, conhecidos como “subprime”, estava sendo contido e que os fundamentos da economia eram fortes.

Meses depois tudo desabou e o subprime contaminou a economia global.

Na questão climática, nunca se viu o que se viu em 2009. Milhões se mobilizaram pensando em uma cidade: Copenhague.

Pelo mundo afora foram feitas campanhas e contagens regressivas. Nunca uma reunião da ONU foi tão popular e provocou tantas emoções.

O ano termina sem o medo de uma depressão, mas com a sensação de que dilemas da crise foram apenas adiados e que o resgate à moda Bernanke confirmou a ideia de que no mercado financeiro os lucros são privados, os prejuízos, públicos. Na questão climática, o ano termina com a sensação de que era vã a esperança de que com Obama os Estados Unidos se sentariam à mesa em Copenhague para fazer o acordo.

E são os dois, Bernanke e Obama, os grandes premiados do ano. Ainda não fizeram para merecer. Tomara que façam



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