Míriam Leitão Baile de máscaras
Política

Míriam Leitão Baile de máscaras


O GLOBO

Se fossem num programa de humor, as escolhas do Congresso pareceriam ironia exagerada. Maluf para a Comissão de Reforma Política; Tiririca para a da Educação; João Paulo, réu do mensalão, para presidir a Comissão de Constituição e Justiça. Ruralistas no comando das comissões de meio ambiente. Atitudes do Congresso brasileiro estão erodindo a fé na democracia.
Vamos por partes neste filme de absurdos, começando pela mais inofensiva delas. Ainda há controvérsias sobre as habilidades do deputado Tiririca na leitura e escrita; mas mesmo que ficasse comprovado que ele não saber ler ou escrever, isso não o transformaria em portador de algo grave e insolúvel. Corrupção é incurável; analfabetismo, não. A dúvida que paira até agora sobre o deputado é do segundo problema e não do primeiro, felizmente. Se ele quiser, poderá evoluir na capacidade e destreza da leitura e será exemplo para milhões de brasileiros. Tiririca tem dito que quando a imprensa fala sobre essas limitações dele está incorrendo em preconceito. Não concordo. Há muito tempo ele faz sucesso e tem tido recursos suficientes para ter voltado aos estudos, que um dia interrompeu prematuramente. Tomara que ele se aplique nos estudos, mas definitivamente hoje ele não está preparado para discutir a fundamental questão da educação. A indicação mostra falha do próprio Congresso.

Há casos muito piores. É cristalino que um réu não pode presidir a Comissão de Constituição e Justiça. Absolutamente óbvio. O deputado João Paulo Cunha está respondendo à Justiça. Na dúvida, sempre se deve estar a favor do réu, ensina o Direito. Isso é completamente diferente de abrigar nessa Comissão pessoas que ainda terão que provar sua inocência em processos a serem julgados no Supremo Tribunal Federal. Há outros réus na comissão. No mínimo, por recato e respeito à Justiça, deveriam aguardar antes de buscar a indicação que obtiveram.

O Brasil tem 22 partidos com representantes na Câmara dos Deputados, a maioria não tem qualquer substância, propósito ou ideias. A fórmula de cálculo eleitoral é tão falha que permite injustiças, como vimos na última eleição. Deputados sem votos levados pelos puxadores de legenda; e políticos com votos, e boas contribuições ao país, como Luciana Genro, fora do Congresso. Há inúmeras evidências de que o sistema de representação política do país não está funcionando bem. Isso é parte do debate nacional faz tempo, mas quando aparece alguma proposta é só para agravar o problema. O voto em lista fechada não tem a qualidade que seus defensores apregoam, de fortalecer os partidos, e tira do eleitor o direito de saber em quem votou. Isso é até pior do que o fenômeno do esquecimento do eleitor em quem votou, como acontece atualmente. Não satisfeitos em receitar remédio que agrava os sintomas da doença, e ainda fortalece os feudos e os caciques partidários, os políticos brasileiros optam pelo deboche puro e simples. Pessoas de passado notório como o de Paulo Maluf, e outros dessa esquisita Comissão, não podem receber a tarefa de reformar o sistema político brasileiro.

O caso dos ruralistas nas comissões de meio ambiente, na Câmara e no Senado, tem natureza diferente. Eles representam um setor econômico importante para o país. Produzem alimentos para o Brasil e garantem o resultado positivo da balança comercial. Geram renda, emprego, impostos. Mas alguns deles têm demonstrado um anacronismo crônico em relação ao tema ambiental, inclusive até negando a existência das mudanças climáticas. Alguns são militantes da causa de que floresta boa é floresta derrubada; são arcaicos e raivosos inimigos da ideia da conciliação da produção com os limites do meio ambiente. Os ruralistas devem estar na comissão. O que está errado é a atitude corsária de tomar a comissão de assalto para impedir o diálogo e os avanços. O Brasil e o mundo estão diante de gigantescos desafios na área ambiental. O melhor para o agronegócio brasileiro é aceitar limites que estão se tornando padrão no mundo dos seus clientes. Uma pecuária que cria seu gado em área desmatada não terá espaço em mercado nobre. Soja comprada de fornecedores com flagrantes de mau comportamento será barrada. As certificações dos produtos aumentarão sua credibilidade. A lista suja dos que praticam trabalho escravo, contra a qual a CNA de Kátia Abreu se insurge, permite avanço do agronegócio e não o contrário. Quem tem mais a perder com a destruição do meio ambiente e suas consequências é exatamente os que usam a terra para produzir.

O custo da destruição ambiental hoje é alto demais. Se a economia soubesse como é econômico ser sustentável, seria sustentável só por economia. As mudanças da legislação têm que levar em conta os riscos que corre hoje a humanidade e os recursos necessários para refazer o que for destruído. Mais do que o acesso ao mercado, as exigências de limites são impostas pelo próprio Planeta. Portanto, ruralistas com visão arcaica devem guardar distância de uma comissão como a de meio ambiente.

A impropriedade de que o Senado seja presidido pelo senador José Sarney não é uma questão pessoal. É institucional. Político algum pode assumir o mesmo cargo pela quarta vez. A eternização nos cargos não é compatível com o bom funcionamento da democracia.

Se tudo isso for um programa de humor e o objetivo for ridicularizar o voto, o cidadão, o sistema de representação política e o Congresso, os parlamentares brasileiros devem insistir nesse caminho. Eles estão sendo bem sucedidos. Só que este filme já vimos: a confiança na democracia morre no final.



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