O Globo - 28/04/2010
A Europa está na linha de tiro. Os economistas ainda não falam que é uma crise do euro, mas já admitem que pode se tornar. O que era apenas um problema grego, ontem virou também português.
Em julho, a Espanha terá que pagar C 24 bilhões. A Itália e a Irlanda não vão nada bem. Não há mecanismo para tirar um país da zona do euro, e isso aumenta o risco de contágio.
— A Alemanha está em pleno processo eleitoral e fica difícil para o governo de Angela Merkel explicar aos eleitores a ajuda a um país que caminha para a insolvência — explicou a economista Monica Baumgarten de Bolle, da consultoria Galanto.
Essa é a razão da demora da ajuda, apesar de a Alemanha já ter anunciado que ajudará a Grécia.
A demora piora um quadro fiscal que já é dramático porque o custo da dívida aumenta. Além disso, novas revisões dos dados gregos têm piorado os indicadores.
Concretamente, a Grécia é um país que tem um déficit de 14%, uma dívida que está atingindo níveis de 130% do PIB e está em recessão. Além disso, tem uma dívida de curto prazo que fica cada dia mais cara.
— Há muita resistência por parte da Alemanha porque o ajuste fiscal que a Grécia tem que fazer para colocar as contas em ordem é muito grande. Precisa gerar um superávit primário de 9,9% do PIB para seu estoque de dívida ficar estável — conta José Márcio Camargo, da PUC-Rio e da Opus Gestão de Recursos.
Fazer o superávit necessário para que as coisas não piorem é impossível por um outro motivo, como lembra Monica.
— Mesmo que eu queira acreditar que é possível, é preciso lembrar que o país está em recessão. O governo diz que a retração será "só" de 2%. Isso já é muito, mas deve ficar bem pior.
Essa é a visão mais otimista que existe — diz.
A dívida de Portugal foi rebaixada ontem pela Standard & Poor's, que também rebaixou a da Grécia.
O déficit público português saltou de 2,8% para 9,4% em 2009. A dívida foi a 76,8% do PIB. E o país também tem baixa capacidade de crescimento.
— A Espanha tem pagamentos vencendo em julho de C 24 bilhões de euros. O problema da Espanha não é de solvência como a Grécia, é de liquidez — diz Monica.
Ela acha que o abalo que atingiu ontem Portugal pode ser classificado como contágio. E que a Espanha também pode ser vítima de contágio se não houver uma solução a curto prazo para o problema grego. O desemprego espanhol passou dos 20% em março.
José Márcio acha que o pacote de socorro do FMI e da União Europeia terá que ser dobrado para C 90 bilhões em três anos. E lembra que a ajuda terá que ser aprovada no Congresso de cada país.
Há um fato que torna o risco de contágio maior: estão todos na mesma zona monetária e têm números fiscais igualmente horrorosos.
Em grande parte, essa piora fiscal ocorreu por causa da crise de 2008, mas já havia, desde antes da crise, um relaxamento perigoso dos parâmetros fiscais.
— Legalmente, não existe nenhum mecanismo para tirar um país da zona do euro voluntária ou involuntariamente.
Nem há previsão de situação em que o país saia, nem de que ele seja expulso — disse Monica O economista Ivo Chermont, da Modal Asset, acha que há uma saída legal, mas que, operacionalmente, ela é praticamente inviável.
— Acredito ser mais fácil o default da Grécia do que o país abandonar o euro e voltar a usar o dracma. Há uma legislação pesada por trás, não é só o Banco Central da Grécia voltar a imprimir a moeda — afirmou.
Isso sem falar no fato de que os bancos teriam ativos em dracma e o passivo continuaria em euro.
Amarrados uns aos outros os países do euro enfrentam a pior crise fiscal da sua história. E tudo é consequência da crise bancária.
A uma crise bancária sempre segue uma crise fiscal.
A Irlanda, por exemplo, tinha um bom histórico de ajuste das contas públicas e redução da dívida/PIB. Está também sob risco por causa da crise de 2008.
— Os bancos irlandeses tiveram vários problemas e seus rombos foram nacionalizados.
Isso piorou os dados fiscais — diz Monica.
A Irlanda viu o déficit praticamente dobrar de um ano para o outro: de 7,3% para 14,3%. A dívida é de 64% do PIB.
Na Inglaterra, o déficit pulou de 4,9% para 11,5%, com a dívida subindo para 51,7%.
Como uma economia forte, com uma moeda forte e só sua, a Inglaterra tem várias vantagens, mas tem uma fragilidade política se nenhum dos três partidos fizer a maioria no parlamento na eleição de maio.
E de onde poderia sair tanto dinheiro para socorrer os países mais encrencados? Mônica diz que pode ser do "New Arrangements to Borrow", o formato de empréstimo sem condicionalidades: — O Fundo tem US$ 500 bilhões para emprestar por este mecanismo.
Provavelmente, a ajuda do FMI seria dada dentro de um processo de reestruturação das dívidas de alguns desses países.
Será a reestruturação negociada, ou eles decretarão moratória. Mais dia, menos dia.