Política
MÍRIAM LEITÃO COP do mundo
A COP-15 bombou. Antes de sair do Brasil já recebi e-mails da ONU informando que estava limitando credencial para jornalista, que ONG teria cota e que o Bella Center cabe apenas metade dos inscritos. No aeroporto de Paris, na escala, conferi os jornais: em todos, este era o assunto da manchete.
No Bella Center, uma fila gigantesca congelava do lado de fora.
Ontem, a manhã foi dos discursos. O primeiro-ministro da Dinamarca, o dono da casa, Lars Loekke Rasmussen, deu um recado em que nas entrelinhas tentou retomar a ideia de um acordo sem substância. O discurso de Rajendra Pachauri, presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, foi atravessado pelo “climagate”: a história dos e-mails trocados por cientistas da universidade inglesa de East Anglia, que supostamente informa que teria havido distorção nos dados sobre mudança climática. Os e-mails já conseguiram um milagre: dar sobrevida aos céticos, ou seja, os que não acreditam nas evidências da mudança climática.
Eles estavam em extinção e agora estão até dando entrevistas.
A negociação mesmo técnica só começa na quartafeira.
Mas muita conversa já está acontecendo. Os bastidores passados por observadores e grandes ONGs são de que essas conversas já estão quentes. Há uma articulação do Brasil, Índia, China e África do Sul para preparar um documento à parte caso eles considerem que houve uma negociação direta entre os países ricos para reduzir seus compromissos financeiros. A África do Sul deixou para anunciar na véspera da conferência que cortará 34% da projeção das emissões até o ano 2020 (mesmo método usado pelo Brasil), mas condicionou ao aporte financeiro dos países ricos. O Brasil deu uma coletiva aqui para a imprensa brasileira em que bateu neste ponto: é preciso mais dinheiro para financiar a redução dos efeitos da mudança climática e se adaptar a ela.
Há outra articulação que divide as delegações ao meio.
A ideia é ter um documento enxuto assinado pelos governantes que seria a declaração de Copenhague; sem ligação com o texto que vem sendo exaustivamente negociado entre os técnicos. Se for isso, haveria dois documentos: o dos chefes de Estado com retórica e o dos técnicos e diplomatas com os compromissos.
As negociações do clima têm 17 anos e as “partes” já se reuniram em muitas cidades, mas três reuniões marcaram História: Rio em 92, Kioto em 97 e esta. Ontem, o jornal “Liberation”, da França, numa reportagem sobre toda história das negociações climáticas, escreveu: “Tudo começou no Rio.” Depois, o outro grande evento foi em Kioto, onde foi fechado o acordo. É cedo para falar que o encontro em Copenhague será histórico? Há uma sucessão de fatos que a tornam única. Yvo de Boer, o secretário-executivo da Convenção do Clima, disse que esta reunião é um turning point. A virada acontece porque nunca tantos e tão diferentes países foram para uma reunião com tantos compromissos.
Nada é simples nesta grandiosa tarefa de refazer a relação da humanidade com seu planeta. Os países desembarcam aqui decididos a defender primeiro seus próprios interesses, já que humanidade é um conceito vago demais. Há a divisão dos países entre ricos, médios, pobres e náufragos. Há grupos de interesse defendendo remédios lucrativos. E há uma multidão de ONGs. Algumas poderosas, bem informadas, com as conexões certas.
Os céticos dizem que a temperatura sempre oscilou, portanto não é ação humana, mas sim fenômeno natural.
Todo esse esforço da ONU e dos países não seria apenas inútil, seria um erro. Imaginemos o cenário mais favorável aos céticos: que se comprove manipulação de dados nos estudos do instituto inglês, que aliás não é o único que fornece dados para a ONU. Se fosse aceita, a tese dos céticos levaria o mundo a não fazer nada: não parar o desmatamento, não tratar o lixo, não aumentar a eficiência energética, não reduzir o uso do carvão como energia, não conter o uso insaciável de recursos finitos, não poupar água; a lista seria longa.
Se as decisões do parágrafo acima fossem aceitáveis, ainda restaria o argumento do seguro. Mesmo se fossem pequenas as evidências científicas de que o clima na terra está mudando, precisaríamos fazer um seguro contra esse evento.
Ninguém espera ter certeza do sinistro para fazer o seguro, basta haver um risco.
Nas próximas duas semanas, quase 200 delegações, governantes de mais de 100 países vão negociar em duas frentes paralelas aqui em Copenhague: a da renovação dos compromissos dos países ricos que ratificaram Kioto, o chamado Anexo 1; e outra da Convenção do Clima em si.
Copenhague já tem uma lista impressionante de inéditos em reuniões do clima.
Nunca houve uma reunião tão grande, com tanta imprensa, com tanta expectativa, com tanta pressão. Dos que estavam na fila congelando lá fora quando cheguei ao Bella Center, nem todos conseguiram permissão para entrar. Quem veio lotou os hotéis, alugou apartamentos de dinamarqueses, se hospedou na Suécia e Noruega, ou então ficou atracado em navio.
No voo que me trouxe de Paris para Copenhague, o piloto informou que cada passageiro emitiu 100 quilos de carbono só naquele trecho. Sugeriu que plantássemos árvores.
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